|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GUILHERME WISNIK
O boom do mall
O shopping tornou-se a expressão do capitalismo tardio e do gosto populista por ícones comerciais
|
O SHOPPING center, ou mall, é
uma construção que reúne
estabelecimentos de comércio, lazer e serviços em um edifício
único, dando feição concentrada e
uniforme a atividades que se realizavam de modo heterogêneo e disperso nos centros comerciais de bairro.
Verticalizado e introvertido, se baseia no uso de equipamentos técnicos como o ar-condicionado e a escada rolante, e no oferecimento de
conforto e segurança ao público.
Como tal, é produto da prosperidade norte-americana do pós-guerra, correlata à decadência dos antigos centros urbanos e à expansão
dos subúrbios. Significativamente,
surgiu apenas alguns anos depois
que o Congresso Internacional dos
Arquitetos Modernos (8º Ciam,
1951) debatia o tema do "coração da
cidade", movido pelo espírito comunitário que renascia.
O primeiro edifício realizado integralmente nesses moldes é o Southdale (Minneapolis, 1956), projetado
por Victor Gruen, arquiteto judeu
vienense que imigrou para os Estados Unidos em 1938, fugindo do nazismo. Um ótimo registro desse momento e seus desdobramentos está
em "Mall Maker: Victor Gruen, Architect of an American Dream", de
M. Jeffrey Hardwick. Obra que descreve Gruen como um personagem
ambivalente: um europeu de inclinação socialista fascinado pela pujança do mercado americano e seu
pragmatismo. Um arquiteto horrorizado com a vulgaridade comercial
do subúrbio e empenhado em civilizá-lo, mas que terminou, paradoxalmente, suburbanizando as cidades.
E, por fim, alguém que, como outros
grandes inventores do século 20,
acabou desiludido e oprimido por
sua própria cria, vendo o mall alterar
a paisagem ao redor de Viena, para
onde refugiou-se no final da vida.
Hoje tornou-se um lugar comum
considerar o shopping como o templo da sociedade contemporânea:
catedral de uma religião sem deus,
cujo objeto de culto (reificado e fetichizado) é a mercadoria análise geralmente acompanhada de uma crítica ao seu caráter segregador e artificioso. De fato, o shopping tornou-se a expressão cabal do capitalismo
tardio e do gosto populista pós-moderno pelos ícones comerciais,
acompanhando uma transformação
da arquitetura em cenário. No entanto, é interessante perceber o sentido não unívoco desse processo. Para Gruen, o mall era um instrumento de planejamento moderno por
excelência, uma cápsula de urbanidade que deveria funcionar como
antídoto ao congestionamento viário dos centros históricos, e coração
de novos núcleos urbanos: "megaestrutura" que aglutinaria ao redor de
si edifícios de habitação, escolas,
hospitais, parques etc.
Ocorre que a lei governamental
(1954) que permitiu o sucesso estrondoso do mall foi também a que
enterrou o urbanismo de Gruen: a
drástica redução nos impostos oferecida a grandes empreendimentos
no setor varejista, tornando a recuperação do capital investido proporcional à escala da obra. A partir daí, a
vocação do mall seria a de satélite
isolado em terrenos baratos, negócio imobiliário auto-justificável e
sem lastro na sociedade: uma máquina de diluição de cidades.
Texto Anterior: Comentário: Nacionalistas deviam agradecer Hollywood Próximo Texto: Sandy se aventura pelos clássicos Índice
|