São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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GUILHERME WISNIK

O boom do mall


O shopping tornou-se a expressão do capitalismo tardio e do gosto populista por ícones comerciais

O SHOPPING center, ou mall, é uma construção que reúne estabelecimentos de comércio, lazer e serviços em um edifício único, dando feição concentrada e uniforme a atividades que se realizavam de modo heterogêneo e disperso nos centros comerciais de bairro.
Verticalizado e introvertido, se baseia no uso de equipamentos técnicos como o ar-condicionado e a escada rolante, e no oferecimento de conforto e segurança ao público.
Como tal, é produto da prosperidade norte-americana do pós-guerra, correlata à decadência dos antigos centros urbanos e à expansão dos subúrbios. Significativamente, surgiu apenas alguns anos depois que o Congresso Internacional dos Arquitetos Modernos (8º Ciam, 1951) debatia o tema do "coração da cidade", movido pelo espírito comunitário que renascia.
O primeiro edifício realizado integralmente nesses moldes é o Southdale (Minneapolis, 1956), projetado por Victor Gruen, arquiteto judeu vienense que imigrou para os Estados Unidos em 1938, fugindo do nazismo. Um ótimo registro desse momento e seus desdobramentos está em "Mall Maker: Victor Gruen, Architect of an American Dream", de M. Jeffrey Hardwick. Obra que descreve Gruen como um personagem ambivalente: um europeu de inclinação socialista fascinado pela pujança do mercado americano e seu pragmatismo. Um arquiteto horrorizado com a vulgaridade comercial do subúrbio e empenhado em civilizá-lo, mas que terminou, paradoxalmente, suburbanizando as cidades. E, por fim, alguém que, como outros grandes inventores do século 20, acabou desiludido e oprimido por sua própria cria, vendo o mall alterar a paisagem ao redor de Viena, para onde refugiou-se no final da vida.
Hoje tornou-se um lugar comum considerar o shopping como o templo da sociedade contemporânea: catedral de uma religião sem deus, cujo objeto de culto (reificado e fetichizado) é a mercadoria análise geralmente acompanhada de uma crítica ao seu caráter segregador e artificioso. De fato, o shopping tornou-se a expressão cabal do capitalismo tardio e do gosto populista pós-moderno pelos ícones comerciais, acompanhando uma transformação da arquitetura em cenário. No entanto, é interessante perceber o sentido não unívoco desse processo. Para Gruen, o mall era um instrumento de planejamento moderno por excelência, uma cápsula de urbanidade que deveria funcionar como antídoto ao congestionamento viário dos centros históricos, e coração de novos núcleos urbanos: "megaestrutura" que aglutinaria ao redor de si edifícios de habitação, escolas, hospitais, parques etc.
Ocorre que a lei governamental (1954) que permitiu o sucesso estrondoso do mall foi também a que enterrou o urbanismo de Gruen: a drástica redução nos impostos oferecida a grandes empreendimentos no setor varejista, tornando a recuperação do capital investido proporcional à escala da obra. A partir daí, a vocação do mall seria a de satélite isolado em terrenos baratos, negócio imobiliário auto-justificável e sem lastro na sociedade: uma máquina de diluição de cidades.


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