São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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comentário

Nacionalistas deviam agradecer Hollywood

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


O aspecto mais curioso do nacionalismo brasileiro é que ele se manifesta por conta dos motivos mais risíveis. Como uma dermatite dormente, só explode em comichão de tempos em tempos, reagindo a "ameaças". Os defensores da nação brasileira agora miram alvo fácil, um filmeco B. "Turistas" mostra uma terra de ninguém em que você pode se dar mal na mão dos locais e acabar sem um rim, talvez coisa pior.
Estereótipos? Bravo nacionalista, passe a noite numa "no-go area" de qualquer cidade brasileira e me conte depois. O filme fantasia sobre eventos que estão no noticiário. A realidade não o incomoda? Ah, mas você usou a camisa do "Eu sou da paz" quando foi moda, ou quando a realidade tocou alguém próximo. Mas sem sair do shopping, ou do jipão blindado, não é? No máximo, deu um trocado para o projeto que um amigo do amigo seu toca naquela favela -qual mesmo?
"Turistas" deve ser tolo, trash. Não sei, só li a respeito. Mas absurdo é acreditar que isso, e não a indecência do nosso cotidiano, irá manchar a imagem pátria. É como se o ótimo "Massacre da Serra Elétrica" (1974) o levasse a crer que o Texas é uma terra de canibais. Há vários motivos para não ir à terra dos Bush, mas medo de virar almoço não é um deles.
O nacionalismo local é burlesco, o que acaba sendo algo bom. Nacionalismo é perigoso. A lista de "ismos" associados a ele fala por si só: fascismo, nazismo, jacobinismo, imperialismo, comunismo e afins.
Nossa variante é tão fajuta que apareceu só depois da formação do Estado nacional, com certeza por ser bom negócio. De tempos em tempos, volta: Estado Novo, ditadura militar e, agora, no governo Lula. Dificilmente haveria um presidente mais adequado para o clima de boicote xenofóbico.
Afinal de contas, Lula não gosta de jornalista gringo que não fale bem do governo (na verdade, não gosta de nenhum que não fale bem), estimula empresa amiga a dizer que "sou brasileira, com muito orgulho", diz que "brasileiro não desiste nunca", exalta a trinca cachaça-feijoada-pagodinho e até torrou US$ 10 milhões para levar um brazuca de carona ao espaço. Na terra dos mensalões, a jequice desfila livre.
Espera-se que Lula não repita FHC e perca seu tempo passando recibo, como o tucano fez com quando os "Simpsons" avacalharam o Rio. Alguém pode perceber, e verá que a matéria-prima para a crítica abunda. Os nacionalistas deviam é agradecer o fato de que Hollywood não nos leva a sério.


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