São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

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Crítica/"Primeira Pessoa"

Arte vira entretenimento no Itaú Cultural

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Existe um notável esforço em agradar ao público na mostra "Primeira Pessoa", no Itaú Cultural. Tal vetor pode ser constatado, particularmente, na maneira simpática de expor as obras, caso já percebido no primeiro trabalho da exposição, composto por mais de mil retratos de Antonietta Clélia Rangel Forman, mãe de Emil Forman (1954-1983), fotografados distintos autores em situações cotidianas e colecionadas pelo artista ao longo de sua vida.
Essa instalação é um surpreendente trabalho de fotografia e memória, intrigante por seu caráter obsessivo e preciosista. Ambiente imersivo, de certa forma, ele vai dar o tom dos demais trabalhos.
A exposição -com curadoria de Agnaldo Farias e Christine Greiner e cenografia de Valdy Lopes Jr., que tem a intimidade como tema- envolve outras expressões que tangenciam as artes plásticas, como o trabalho de duas companhias de teatro, o Grupo Lume e o Teatro da Vertigem, e a música de Hermeto Paschoal. Todos participam da mostra com instalações também imersivas, que buscam traduzir para o espaço expositivo as poéticas de cada um. Entretanto, aquilo que é risco e ousadia, como no caso da Vertigem, que realizou um espetáculo, "BR-3", no rio Tietê, quando transposto para uma sala repleta de água por onde se pode caminhar com galochas, torna-se uma redução tamanha da obra que seu sentido se esvai.
Essa simplificação -que permite a tranqüila e prazerosa fruição da mostra pelo público- chega a ser irritantemente politicamente correta quando apresenta partituras de Hermeto penduradas numa sala com chão de terra, cercadas por frases como "Viva o som e as nuvens coloridas". Aí, vê-se que o estilo Bia Lessa de montagem de exposição fez escola.
Essa escola -que pode ser vista como uma forma de inclusão social, tão em moda no discurso do governo federal e que sempre busca agradar ao público- precisa ser questionada quando está em função de uma exposição de arte: afinal, arte é para agradar? Desde Duchamp, esse princípio foi banido do sistema de arte. E, atualmente, a arte tem sido das últimas plataformas de questionamento.
Entretanto, é pouco provável que um instituto cultural vinculado a uma grande corporação tenha interesse no questionamento e, aí, os limites institucionais tornam-se claros: a arte deve ser vista como entretenimento: superficial e feliz.
Nem todas as obras seguem esse roteiro, caso dos trabalhos de Marcelo do Campo, heterônimo de Dora Longo Bahia. A questão é que, quando a obra é exibida nesse contexto, seu potencial radical se esvai, tornando a própria "mise-en-scène" o discurso oficial. E aí Marshall McLuhan estava certo: o meio é a mensagem. Não é a toa, afinal, que quando o banco tinha uma campanha publicitária que fazia as suas agências piscarem durante a Copa do Mundo, o instituto cultural piscava no mesmo ritmo, com patrocínio das leis de incentivo à cultura.


PRIMEIRA PESSOA  
Quando:
ter. a sex., 10 às 21h; sáb. e dom.: 10h às 19h; até 28/01
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/2168-1876)
Quanto: entrada franca


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