São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010

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CRÍTICA ROMANCE

Vencedor do Booker trata da condição judaica com humor

Jacobson destrói mecanismos que criam preconceitos em livro que levou principal prêmio da língua inglesa


RIR PARA NÃO CHORAR, A MÁXIMA DE CARTOLA, PARECE ESTAR POR TRÁS DA HISTÓRIA


DANIEL BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Livros engraçados não costumam ganhar prêmios importantes. Mesmo quando excelentes, frequentemente são descartados, como se não fossem profundos o suficiente. Isso talvez explique por que "The Finkler Question" (a questão Finkler) é o primeiro livro cômico a ganhar o Man Booker Prize desde 1986.
Howard Jacobson já vinha sendo cogitado para o prêmio havia algum tempo. Satirista de mão cheia, chamado de "Philip Roth inglês", ele, que também escreve semanalmente no "Independent" e apresenta documentários na TV, é grande conhecedor da alma humana.
Em seu 11º romance, a amizade e a rivalidade, o amor e a perda ganham nuances complexas, disfarçadas pela aparência de "mera" comédia. Mas, acima de tudo, o livro trata da condição judaica, ou do que significa ser judeu em tempos de revisionismo histórico e críticas a Israel.
Rir para não chorar, a máxima de Cartola, parece estar por trás de cada frase dessa história que envolve três sujeitos bem diferentes, mas muito ligados entre si. Julian Treslove é um ex-produtor da BBC, que, por conta de seus traços bonitos, trabalha como sósia de astros do cinema.
Seu problema, além da fragilidade emocional e propensão à morbidez, é a identidade, que busca com amigos os quais inveja: para ele, o fato de serem judeus os torna inteligentes e bem-sucedidos. O ex-colega de escola, Sam Finkler, é um famoso filósofo, autor de best-sellers do tipo "Descartes and Dating" (Descartes e namoro) e "The Existencialism in the Kitchen" (o existencialismo na cozinha), na linha Alain de Botton. É um sujeito arrogante, irônico e cheio de amantes, que faz parte de um grupo de judeus antissionistas chamado ASHamed Jews.
Antigo professor de ambos, Libor Sevcik é ex-jornalista de fofoca que conviveu com celebridades de Hollywood. Aos mais de 80 anos e recentemente viúvo, vê a vida declinar com olhos cansados, pouco propensos a polêmicas que considera inúteis.
Depois de um jantar reunindo os três, o patético Treslove é assaltado por uma mulher (!) que teria dito, ao deixá-lo no chão, sem o relógio e a carteira: "Judeu!".
Confuso com o que pensa ter ouvido, Treslove aos poucos assume os hábitos judaicos, o que gera momentos engraçadíssimos, como quando questiona seu prepúcio, num caso raro de "inveja do pênis circuncidado", ou tenta decorar palavras em iídiche para impressionar a nova namorada.
Com esses elementos e o talento para construir diálogos e discussões divertidos e perturbadores, Jacobson desconstrói o mecanismo íntimo que forma preconceitos.
E coloca a admiração pelos judeus na mesma balança em que está o antissemitismo, como se ambas fossem, no fundo, indissociáveis. Tudo sem perder a graça.

THE FINKLER QUESTION

AUTOR Howard Jacobson
EDITORA Bloomsbury
QUANTO 18,99 libras, cerca de R$ 51 (320 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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