São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010

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CRÍTICA BIOGRAFIA

Historiador narra a vida com rigor e afeto

Boris Fausto, 80, combina em tom de crônica sua própria trajetória e a do país, num relato reflexivo e despretensioso


A FORMA DAS MEMÓRIAS DE FAUSTO LEMBRA MAIS A CRÔNICA DE JORNAL BRASILEIRA DO SÉCULO 20, COM SEU TOM DE COMENTÁRIO DESPREOCUPADO SOBRE OS FATOS E ESTILO DESPRETENSIOSO


RAFAEL CARIELLO
EDITORIALISTA DA FOLHA

Quem abrir "Memórias de um Historiador de Domingo" em busca de uma biografia tradicional, dessas em que os fios todos da vida parecem ser afinal amarrados, pode vir a sair frustrado da leitura.
Não era isso o que Boris Fausto, 80, autor de "A Revolução de 1930" -seu mais famoso livro, e obra de referência sobre o tema-, pretendia oferecer, ao que tudo indica. Os ingleses e os norte-americanos, entusiastas do gênero, costumam fazer um uso bastante eficiente de técnicas literárias ao construir a narrativa de suas próprias vidas ou das histórias alheias.
Se usados com comedimento, algum suspense, diálogos bem construídos e reviravoltas do destino causam bom efeito e prendem o leitor. O modelo desse gênero é, claro, o romance.
A forma das memórias de Fausto lembra mais a crônica de jornal brasileira do século 20, com seu tom de comentário despreocupado sobre os fatos e estilo despretensioso.
Embora em primeira pessoa, a narrativa guarda alguma distância em relação ao personagem principal. Um olhar atento para as próprias frustrações e limites observa com igual compaixão os dilemas de pessoas próximas e distantes -pobres, familiares, militantes, professores.
Fausto discorre sobre o jovem estudante de direito ameaçado pelo trote violento -ele próprio- para no parágrafo seguinte se ocupar dos poucos professores negros da universidade.
Sem alarde, o autor faz duras considerações sobre cada uma das instituições que o formaram, a começar pela tradicional faculdade de direito do largo de São Francisco, em São Paulo.
"Quero dizer que não compartilho dos mitos criados a seu respeito. Mais ainda, considero baixa a qualidade do ensino naquela época."
Frustrou-se também com o curso de história, na mesma USP, realizado décadas depois, após longa atividade profissional como advogado.
Desiludiu-se, ainda, do trotskismo -e seu processo de abandono das ideias e da militância de esquerda serve como fio condutor do livro. Mas não é bem esse o espírito da obra. Uma passagem talvez o apresente melhor.
Logo em um dos primeiros capítulos, Fausto lamenta sua timidez e a falta de talento para a dança, "um dos melhores instrumentos de relações afetivas com as moças". Decidido a superar sua "rigidez psicocorporal", o jovem estudante se matricula no curso de dança do "professor Amêndola" -infelizmente sem sucesso.
O livro termina com considerações sobre a morte, que se aproxima, garante Fausto. Já que ela vai mesmo triunfar, "que ao menos, quem sabe, nos conceda uma graça".
O autor lembra o cineasta Luis Buñuel, que sonhava poder voltar de tempos em tempos, depois de morto, para ler os jornais do dia.
Sua esperança "é mais ambiciosa", diz o autor. "Quem sabe num desses despertares seja possível driblar a morte e ressurgir neste mundo, cheio de vida, alto, louro, dançando com uma bela jovem um tango argentino?"

MEMÓRIAS DE UM HISTORIADOR DE DOMINGO

AUTOR Boris Fausto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 45 (302 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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