São Paulo, sábado, 11 de dezembro de 2010 |
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CRÍTICA CONTOS Dualidade feminina mantém vivo o interesse por Atwood Narrativa dá conta de jovens nas décadas de 60, mas serve também hoje NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA O melhor do livro "Transtorno Moral", de Margaret Atwood, são as imprevistas mudanças de foco narrativo, da primeira para a terceira pessoa e vice-versa, juntamente com as flutuações temporais, ambas deixando o leitor em estado de alerta e intriga sobre as sequências narrativas. São contos que tecem (e a palavra não é gratuita) a história de vida de Nell, uma professora de literatura, editora, ex-hippie, com uma irmã esquizofrênica, um marido frágil, seus filhos bem-educados e sua estranha ex-mulher para cuidar. Lembranças da infância, do nascimento da irmã, dos livros sobre como servir ao marido, como ser uma mulher, esposa e filha perfeitas. A classe estritamente média a que a personagem pertence é tratada ora como maldição, ora como redenção, justamente por suas idiossincrasias e costumes que a tornam ridícula, mas também de certa forma digna em seus pequenos cuidados. A criança solitária, que não conseguia se adaptar aos grupos e convenções, descobre, em algum momento, que "vivia em um balão transparente". Como ser simultaneamente uma filha e esposa adequada e uma mulher independente e rebelde? São justamente as flutuações narrativas e temporais que dão conta dessa dualidade típica das jovens que amadureceram nas décadas de 60 e 70, mas que, de alguma forma, não deixa de ser verdadeira também para as mulheres de hoje. No Halloween, em vez de se fantasiar de abóbora ou de bruxa, como todos faziam, Nell, a protagonista, resolve se fantasiar de cavaleiro sem cabeça. Ninguém se assusta nem a entende, e aquela cabeça esponjosa e soturna fica guardada no porão por anos e anos, simbolizando o isolamento relegado a uma pessoa com muita imaginação. Margaret Atwood, 71, recusa a qualificação de autobiografia para esta coletânea, apesar de quase todos os fatos terem acontecido da mesma maneira com ela. Diz que as coincidências não fazem do livro uma autobiografia, porque, afinal, todo escritor precisa de recheio para "fazer seu homenzinho de gengibre". É verdade. Não são necessários fatos estritamente ficcionais para compor uma ficção. Mas, por vezes, o estilo narrativo da autora é tão linear e pouco trabalhado que a história acaba se parecendo com meras lembranças orais. As metáforas que os contos estabelecem também pecam pela obviedade: o jogo Monopólio corresponde ponto por ponto ao monopólio amoroso; o tricô, ao malabarismo de cuidados que a mulher precisa desempenhar, e o trabalho com o machado, no paraíso rural que o casal cria para si, indica a necessidade que tem de endurecer. O refinamento estilístico do livro não se aplica à linguagem e às imagens. Mas os problemas das mulheres permanecem assustadoramente semelhantes e isso mantém vivo o interesse pelo livro. TRANSTORNO MORAL AUTORA Margaret Atwood TRADUÇÃO Carlos Ramirez EDITORA Rocco QUANTO R$ 36 (240 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Raio-X: Fredrik Colting Próximo Texto: Painel das Letras: Coleção traz Jelinek e Eliade Índice | Comunicar Erros |
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