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'Grande Noitada' tem discurso piegas
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
"A Grande Noitada" parecia
apostar, ao menos por sua proposta intencional, no artifício como
expediente narrativo. Esse tipo de
recurso serve para salientar a própria ilusão, revelando e refletindo
(sobre) a realidade.
O filme começa operístico, com
atores cantando as falas. O cenário
é locação básica (em estúdio). Mas
para que a técnica de distanciamento se realize são necessárias
certas mediações, envolvendo níveis de competência e criação com
que se manipulam parâmetros fílmicos (enquadramento etc.).
Embora a encenação à moda de
ópera seja logo largada, sua presença na tela é suficiente para se
provar inadequada, tanto pela execução inepta como por não se configurar como recurso constante e
consistente.
Para se filmar como ópera, vale
lembrar Straub e suas rigorosas
premissas marxistas e formalistas.
Para a reconstituição de cenário,
vale lembrar Godard e Fassbinder,
artífices do verdadeiro e do falso
em divertida e complexa dialética.
Mas ao diretor Denoy de Oliveira
faltava talento e repertório para levar a cabo tal tese antialienante. No
lugar do viés straubiano, o fácil esquema pc-do-bista e simplório;
em vez da dicção godardiana, o
sincero discurso piegas e ingênuo.
Resta pensar (pobres propósitos) se era apenas para dizer que o
personagem era amante de ópera e
se a filmagem em estúdio atendia
só à conveniência da facilidade de
produção.
Sem ver o artifício como dispositivo, oscila-se entre a empostação
mal assumida e o naturalismo dissimulado. A briga na boate, no melhor estilo pastelão-popularesco,
confirma o gosto genético do filme.
O tema está mais para Nelson
Rodrigues que Janete Clair (sente-se a falta da sutileza grotesco-brutal de um Neville de Almeida).
Tristão Roque Brasil (o nome já
trai certo ranço alegórico e o fato
do filme ser co-produzido pelo velho CPC e a Umes não diz pouco) é
um industrial em luta contra poder e família, que faz farra com
manicure-prostituta e morre. Para
ajudá-la a se livrar do fardo, um
travesti-performático e um coveiro-ventríloquo.
No fim, a conciliação redentora
entre ricos e excluídos é feita por
um subedificante maniqueísmo de
classe que só não é pior do que o
estereótipo sentimentalóide que
faz com que a "escória" (como na
fita a polícia chama os párias) se
arrependa e se apiede de seus desvios em prol da "graça".
Em certas cenas, Othon Bastos
(Tristão) medita sobre a arte culta.
É duro não ver a persona do ator se
deslocar e refletir no que já fez no
cinema: o cangaceiro Corisco
("Deus e O Diabo na Terra do Sol",
Glauber Rocha) e o Padre Vieira
("Sermões", Julio Bressane).
Filme: A Grande Noitada
Produção: Brasil, 1997
Direção: Denoy de Oliveira
Com: Othon Bastos, Esther Góes
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 4
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