São Paulo, sexta, 11 de dezembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Grande Noitada' tem discurso piegas

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

"A Grande Noitada" parecia apostar, ao menos por sua proposta intencional, no artifício como expediente narrativo. Esse tipo de recurso serve para salientar a própria ilusão, revelando e refletindo (sobre) a realidade.
O filme começa operístico, com atores cantando as falas. O cenário é locação básica (em estúdio). Mas para que a técnica de distanciamento se realize são necessárias certas mediações, envolvendo níveis de competência e criação com que se manipulam parâmetros fílmicos (enquadramento etc.).
Embora a encenação à moda de ópera seja logo largada, sua presença na tela é suficiente para se provar inadequada, tanto pela execução inepta como por não se configurar como recurso constante e consistente.
Para se filmar como ópera, vale lembrar Straub e suas rigorosas premissas marxistas e formalistas. Para a reconstituição de cenário, vale lembrar Godard e Fassbinder, artífices do verdadeiro e do falso em divertida e complexa dialética.
Mas ao diretor Denoy de Oliveira faltava talento e repertório para levar a cabo tal tese antialienante. No lugar do viés straubiano, o fácil esquema pc-do-bista e simplório; em vez da dicção godardiana, o sincero discurso piegas e ingênuo.
Resta pensar (pobres propósitos) se era apenas para dizer que o personagem era amante de ópera e se a filmagem em estúdio atendia só à conveniência da facilidade de produção.
Sem ver o artifício como dispositivo, oscila-se entre a empostação mal assumida e o naturalismo dissimulado. A briga na boate, no melhor estilo pastelão-popularesco, confirma o gosto genético do filme.
O tema está mais para Nelson Rodrigues que Janete Clair (sente-se a falta da sutileza grotesco-brutal de um Neville de Almeida). Tristão Roque Brasil (o nome já trai certo ranço alegórico e o fato do filme ser co-produzido pelo velho CPC e a Umes não diz pouco) é um industrial em luta contra poder e família, que faz farra com manicure-prostituta e morre. Para ajudá-la a se livrar do fardo, um travesti-performático e um coveiro-ventríloquo.
No fim, a conciliação redentora entre ricos e excluídos é feita por um subedificante maniqueísmo de classe que só não é pior do que o estereótipo sentimentalóide que faz com que a "escória" (como na fita a polícia chama os párias) se arrependa e se apiede de seus desvios em prol da "graça".
Em certas cenas, Othon Bastos (Tristão) medita sobre a arte culta. É duro não ver a persona do ator se deslocar e refletir no que já fez no cinema: o cangaceiro Corisco ("Deus e O Diabo na Terra do Sol", Glauber Rocha) e o Padre Vieira ("Sermões", Julio Bressane).

Filme: A Grande Noitada
Produção: Brasil, 1997
Direção: Denoy de Oliveira
Com: Othon Bastos, Esther Góes
Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 4




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.