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CINEMA/ESTRÉIA
"CAVALGADA COM O DIABO"
Ang Lee faz reverência ao saudosismo escravocrata
TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O único mérito de "Cavalgada com o Diabo" é subverter
um ícone da cinematografia americana: a imagem-fetiche da cavalaria federal. Aqui os soldados federais não são os esperados salvadores, mas os inimigos invasores.
Seus uniformes são usados como
disfarce por um grupo de milicianos pró-sulistas dispostos a darem o seu sangue contra os ianques abolicionistas do norte, durante a Guerra de Secessão.
Não é a primeira vez que o saudosismo escravocrata toma
Hollywood. De Griffith a Ford, a
tradição hollywoodiana nunca
deixou de privilegiar em seus filmes históricos o ponto de vista
das famílias sulistas-escravocratas -daí, por exemplo, a recorrência da figura do negro doméstico e passivo. Mas as diferenças
sempre eram superadas em nome
do "nascimento de uma nação".
O que preocupa em "Cavalgada
com o Diabo" não é tanto o lado
politicamente incorreto de seu
saudosismo escravocrata -aqui
disfarçado pelo personagem contraditório de Jeffrey Wright, um
("bom") negro que luta ao lado
dos sulistas. O preocupante é o fato de ter como heróis jovens milicianos independentes, que não
deixam de reportar, em sua luta
contra os federais, aos recentes
conflitos causados pelas milícias
supremacistas americanas.
O grupo não adere aos unionistas (que defendiam a união do
país) nem se junta ao exército
confederado sulista, preferindo
combater os ianques por conta
própria. E mesmo depois que a
guerra perde, para eles, a razão de
ser, os jovens continuam a lutar.
A sensação que fica é a de uma
apologia da luta pela luta. Para isso contribui a mediocridade de
um roteiro que não tem nem mesmo a concepção finalista padrão
dos roteiros hollywoodianos.
Além de equivocado, o filme não
tem a mínima objetividade. Além
de ruins, as sequências não se encadeiam em torno de finalidade
nenhuma. O filme parece durar o
dobro de seus 138 minutos.
E aí entra o trabalho de Ang Lee
("Tempestade de Gelo"), o renomado diretor tailandês radicado
na América. Lee justificou seu envolvimento com este projeto declarando-se interessado no processo de auto-emancipação dos
personagens (o personagem do
negro pró-sulista, por exemplo,
não precisa de uma "lei branca"
para conquistar liberdade e respeito). O problema é que o diretor
não consegue dar vida aos personagens, destacá-los do fundo.
O que permanece na tela é o ketchup de sanguinolentas e malfeitas cenas de tiroteio. Lee não resolve as contradições do roteiro:
cavalga com o diabo e dá com os
burros n'água. Já estava na hora
de ele voltar para a sua Tailândia.
Cavalgada com o Diabo
Ride with the Devil
Direção: Ang Lee
Produção: EUA, 1999
Com: Tobey Maguire, Jeffrey Wright
Quando: a partir de hoje no Cinearte,
Lumière e Jardim Sul
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