São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"CAVALGADA COM O DIABO"

Ang Lee faz reverência ao saudosismo escravocrata



TIAGO MATA MACHADO
ESPECIAL PARA A FOLHA



O único mérito de "Cavalgada com o Diabo" é subverter um ícone da cinematografia americana: a imagem-fetiche da cavalaria federal. Aqui os soldados federais não são os esperados salvadores, mas os inimigos invasores. Seus uniformes são usados como disfarce por um grupo de milicianos pró-sulistas dispostos a darem o seu sangue contra os ianques abolicionistas do norte, durante a Guerra de Secessão.
Não é a primeira vez que o saudosismo escravocrata toma Hollywood. De Griffith a Ford, a tradição hollywoodiana nunca deixou de privilegiar em seus filmes históricos o ponto de vista das famílias sulistas-escravocratas -daí, por exemplo, a recorrência da figura do negro doméstico e passivo. Mas as diferenças sempre eram superadas em nome do "nascimento de uma nação".
O que preocupa em "Cavalgada com o Diabo" não é tanto o lado politicamente incorreto de seu saudosismo escravocrata -aqui disfarçado pelo personagem contraditório de Jeffrey Wright, um ("bom") negro que luta ao lado dos sulistas. O preocupante é o fato de ter como heróis jovens milicianos independentes, que não deixam de reportar, em sua luta contra os federais, aos recentes conflitos causados pelas milícias supremacistas americanas.
O grupo não adere aos unionistas (que defendiam a união do país) nem se junta ao exército confederado sulista, preferindo combater os ianques por conta própria. E mesmo depois que a guerra perde, para eles, a razão de ser, os jovens continuam a lutar.
A sensação que fica é a de uma apologia da luta pela luta. Para isso contribui a mediocridade de um roteiro que não tem nem mesmo a concepção finalista padrão dos roteiros hollywoodianos. Além de equivocado, o filme não tem a mínima objetividade. Além de ruins, as sequências não se encadeiam em torno de finalidade nenhuma. O filme parece durar o dobro de seus 138 minutos.
E aí entra o trabalho de Ang Lee ("Tempestade de Gelo"), o renomado diretor tailandês radicado na América. Lee justificou seu envolvimento com este projeto declarando-se interessado no processo de auto-emancipação dos personagens (o personagem do negro pró-sulista, por exemplo, não precisa de uma "lei branca" para conquistar liberdade e respeito). O problema é que o diretor não consegue dar vida aos personagens, destacá-los do fundo.
O que permanece na tela é o ketchup de sanguinolentas e malfeitas cenas de tiroteio. Lee não resolve as contradições do roteiro: cavalga com o diabo e dá com os burros n'água. Já estava na hora de ele voltar para a sua Tailândia.



Cavalgada com o Diabo
Ride with the Devil

 
Direção: Ang Lee
Produção: EUA, 1999
Com: Tobey Maguire, Jeffrey Wright
Quando: a partir de hoje no Cinearte, Lumière e Jardim Sul




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