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Autor manteve coerência ao criticar lógica do lucro
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
Quando surge uma notícia
dessas, o que vem na cabeça
é um turbilhão de memórias pessoais, misturadas à figura pública,
aquela que conhecemos por meio
de sua obra e fofocas, rumores,
entrevistas etc.
Arthur Miller, o autor de "A
Morte de um Caixeiro-Viajante",
levou uma vida discreta nas últimas décadas. Antes disso, teve
um breve casamento com Marilyn Monroe -coisa que ele veio
a destruir publicamente mais tarde. Explico: sempre carinhoso a
respeito de Marilyn, um certo dia,
sem mais nem menos, visitado
por Elmar Zorn, ex-curador do
Wiener Festwochen, o famoso autor começou a desabafar. Zorn foi
quem me levou ao festival de Viena e me confidenciou alguns desses desabafos. "Eu não agüentava
mais viver com uma pessoa que
não gostava de si mesma", disse
Miller a Zorn.
Numa certa ocasião, creio que
em 1985, Norman Mailer escreveu
uma peça sobre Marilyn em que
Miller era um dos personagens.
Por acaso, Heiner Müeller estava
em Nova York, e fomos todos
juntos ver. Um desastre. Um horror. Uma tentativa de realismo,
ou hiper-realismo, que só conseguiu fazer com que a platéia se entreolhasse ou olhasse para o sinal
de "exit" (saída), ou como se estivessem todos perguntando: "O
que estamos fazendo aqui?".
Ficamos todos assustados
quando descobrimos que Miller
estava na platéia. Zombadíssimo
no texto de Mailer, Miller não se
mexia na poltrona. No final, todos
correram, foram embora para
não ter que enfrentar o "debate"
que Mailer sempre insiste em ter.
Era a verdadeira conspiração:
Miller, Mailer e Müeller.
Anos depois, fiquei felizmente
chocado quando Arthur Miller
apareceu no memorial que a New
York University fez para homenagear a morte de Jerzy Grotowski
há alguns anos. Jamais pude imaginar que houvesse qualquer conexão entre os dois. Aliás, acho
que não havia. Era somente um
teatrólogo homenageando um
outro. Belas palavras saíram de
sua boca.
Miller, nos últimos anos, era um
ávido crítico da instituição comercial que a Broadway virou.
Aliás, sua última peça, "Finishing
the Picture" (terminando o quadro), era baseada num trecho de
sua vida com Marilyn.
Num longo discurso, ao aceitar
o Prêmio Tony, Miller tacou fogo
em tudo o que dizia respeito aos
produtores da Broadway e como
eles agem diante dos talentos de
hoje; criticou a comercialização
do teatro e finalizou afirmando
que, se "o capitalismo e o "lucrismo" reinarem desse jeito, não há
talento que resista, pois são os
produtores que regulam o autor.
É como se quem escrevesse o capítulo final de uma peça não fosse
mais o autor, e sim um economista ou um contador". Nada mais
coerente para quem escreveu
uma obra de arte como "A Morte
de um Caixeiro-Viajante".
Gerald Thomas é diretor teatral
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