São Paulo, quinta-feira, 12 de março de 2009

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Na mira

Suíça radicada no Brasil, Mira Schendel (1919-1988), artista que "reinventou a arte a partir da língua", ganha retrospectiva no MoMA, individuais em Londres e SP e vira tema de três novos livros

Divulgação
Obra sem título da série "Objetos Gráficos" (1967), de Mira Schendel, que está na mostra do MoMA

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma frase solta, inconclusa, resume o retorno. Num dos quadros que abrem sua megarretrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York, Mira Schendel escreveu discreta: "Agora que estou de volta".
Era uma alusão ao retorno de Aquiles da batalha que travou. Mas, exposta na primeira sala da mostra que o MoMA abre no dia 5 de abril, serve de prelúdio à volta de uma artista que morreu sem atingir o reconhecimento internacional que está prestes a ganhar. Embora tenha participado de nove edições da Bienal de São Paulo, sendo eleita até parte da "santíssima trindade" da arte brasileira, Schendel nunca foi tão valorizada pelo mercado.
Além de "Tangled Alphabets", mostra que reúne 200 obras para refazer os passos da artista e do argentino León Ferrari, em Nova York, a galeria Millan abre, na próxima quarta, em São Paulo, individual com 20 de suas monotipias, as gravuras que fazia em papel japonês. Em maio, a galeria Stephen Friedman, de Londres, também abre espaço para uma individual da artista.
No embalo das exposições, o mercado editorial se prepara para lançar farto material sobre o legado da artista que passou a vida tentando "imortalizar o fugidio" e "congelar o instante", como dizia em seus diários.
Nascida na Suíça, em 1919, Schendel se mudou para o Brasil quando já tinha 30 anos, formada em Zurique e numa escola preparatória da Itália.

Orgias de letras
Nômade, falava mal quase todas as línguas que usava para se expressar, as mesmas que apareciam em seus desenhos-poemas -chegou a fazer cerca de 5.000 deles para amigos e conhecidos, passando ao largo do mercado, que a valorizou só depois da morte, em 1988.
Se em vida suas monotipias eram distribuídas ao acaso, vendidas às vezes por US$ 100, ela hoje é uma das artistas mais disputadas da cena brasileira, com trabalhos arrematados por mais de US$ 1 milhão.
"Só nos últimos anos conseguimos pôr a obra da Mira nas melhores coleções do mundo", diz André Millan, 48, galerista que cuida do espólio da artista.
Depois da explosão conceitual e das formas geométricas dos concretos paulistas e cariocas, Schendel foi uma das primeiras no país a injetar forte carga subjetiva em suas obras, deixando ver suas obsessões na folha transparente de papel.
"Ela reinventa a arte, com base na língua", resume Luis Pérez-Oramas, 48, curador da mostra no MoMA, em entrevista à Folha. "É a língua não como instrumento, mas como encarnação material da voz."
Suas "pequenas orgias de letras flutuando no espaço", como descreve Pérez-Oramas, tentam refletir o turbilhão de ideias que estudou à exaustão.
"A vida imediata é só minha, incomunicável, sem significado ou propósito; o mundo dos símbolos é antivida, vazio de emoção e de sofrimento", escreveu Schendel. "Se pudesse juntar os dois, teria a riqueza da experiência com a permanência relativa do símbolo."
Tentando mostrar esses dois lados, Schendel recorria às folhas transparentes, criando uma espécie de porta de entrada para os próprios pensamentos, já que a palavra tinha de mostrar "o maior número de faces para ser ela mesma".
Talvez por essa obsessão, as obras também vão perdendo o peso da tinta e ganhando a leveza dos vazios, de palavras e letras soltas. Depois das naturezas-mortas dos anos 50, ela partiu para as monotipias, obras em acrílico e instalações.
No MoMA, Pérez-Oramas separa as pinturas mais tradicionais das instalações que vêm depois, como "Trenzinho", uma série de folhas penduradas em sucessão, as "Droguinhas", retalhos trançados de papel japonês, e "Ondas Paradas de Probabilidade", rede de fios translúcidos juntos de uma citação da Bíblia.
Quanto mais abstrata a obra, mais presente parece estar a artista. "Há uma clara consciência da arte como corpo", diz Pérez-Oramas. "É um encontro de corpos, uma forma de romper com a hierarquia, talvez uma metáfora para a voz impossível de Deus."


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