São Paulo, quinta, 12 de março de 1998

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DISCO/CRÍTICA
Música soa verborrágica

da Reportagem Local

Transformado em música, o "Baghavad Gita" resulta, como talvez fosse inevitável, verborrágico, discursivo. Perde-se, nas entranhas musicadas do poema, o poder catártico dos refrões, elementos destinados a fazer a glória de não poucas canções.
Não é esse, entretanto, o detalhe mais notável do CD "Canções do Divino Mestre". À parte a intervenção intelectual de Carlos Rennó e Cid Campos, o álbum acaba por traçar a visão excêntrica -deslocada do centro- de Rogério Duarte sobre o tropicalismo.
O álbum é pós-tropicalista, no mesmo sentido em que era pós-tropicalista a fase "Gita" (74) de Raul Seixas ou o concretismo zen do "Revolver" (75) de Walter Franco.
É, nesse sentido, manifesto de persistência de um ideário hippie, bicho-grilo mesmo, extraído da tropicália -que, já após os excessos odara de "Doces Bárbaros" (76, com Caetano, Gal, Gil e Bethânia) e "Bicho" (77, de Caetano), eram abandonados para sempre pelo "mainstream" tropicalista. Duarte reinstala o natimorto "tropicalismo do B", genuíno prodígio da natureza.
"Canções do Divino Mestre" é hippie até o osso, em que pese a contrabalança do virtuosismo da Gal Costa dos 90 ou do "cerebralismo" arquitetado de Arnaldo Antunes.
Não por acaso, Caetano está ausente. Mas paira ainda. Moreno Veloso, o filho, canta "A Base do Supremo" -você pode pensar que é a voz do pai.
Dos que participam, destacam-se os hippies e/ou pós-hippies por natureza artística. É o caso de Walter Franco (em construção que nada fica a dever a seus velhos hinos viajandões), do neo-hippie Chico César (incomumente discreto), dos velhos hippies de segunda hora Geraldo Azevedo e Elba Ramalho -e aqui fica incompreensível a ausência de Zé Ramalho, expressão perfeita da confluência Nordeste/Oriente que o CD almeja.
Outros lances eficazes são os de delicadeza, presentes, por exemplo, nas passagens de Tom Zé, Jussara Silveira, Ana Amélia, Tomaz Lima, Lenine.
As notas dissonantes ficam por conta de Belchior, num indefensável arranjo de igreja, e Cássia Eller, capaz de fazer rock'n'roll em ambiente hostil.
Mas ninguém escapa da sina: na encruzilhada entre poesia e música, o material faz-se volátil como fumaça de incenso -ao menos a quem esteja à procura de música popular.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)



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