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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

IMPÉRIO DESAFINADO

Romance acompanha saga de inglês que vai ao sudeste asiático afinar instrumento de excêntrico major

Piano na floresta oferece metáfora à obra

DA REDAÇÃO

Um piano ocidental no meio da floresta de um país asiático, em pleno século 19, soa como um forte símbolo do poder de uma potência imperialista. Por outro lado, um piano quebrado apresenta-se, no mínimo, como uma imagem trágica. Já um piano desafinado sugere a idéia de alguém que perdeu a sua identidade.
"O Afinador de Piano" segue a trilha da combinação destas três metáforas. "Acho que o tema do livro é extremamente atual, num momento em que "colonialismo" e "imperialismo" viraram tópicos tão discutidos", disse Mason em entrevista à Folha.
"Creio que há aspectos da colonização britânica em Mianmar que são muito maus, desde a violência usada para anexar a colônia à destruição de símbolos culturais. Ao mesmo tempo, muitas das fontes que utilizei foram escritas por homens que estavam com o Exército britânico, mas tinham interesse e sensibilidade pela cultura dos birmaneses."
O personagem do major Carroll surgiu a partir de seu crescente interesse por esses homens de posição ambígua na história. "Tentei entender como podiam servir a um governo e a um projeto que eles devem ter odiado."
O protagonista do livro, Edgar Drake, chega a seu destino e logra afinar o piano do major Carroll. Mas descobre também a violência por trás do gesto nobre de trazer Bach para um país subjugado. O romance o acompanha colhendo histórias pessoais, apaixonando-se por uma birmanesa e familiarizando-se com mitos e sabores.
Edgar arrasta a afinação do piano por três meses, quando em condições normais levaria só dois dias para completar o serviço. Faz isso para adiar sua partida. Ao final, parece que quem está desafinado é ele mesmo.
Mason diz que sentiu mais ou menos a mesma coisa quando viveu lá. Edgar é fruto de suas próprias dúvidas e, principalmente, de sua hesitação em voltar para casa depois de tão intensa experiência. "Um de meus autores favoritos é Bruce Chatwin [escritor inglês, autor de "Na Patagônia], provavelmente porque ele explora essa necessidade inata do homem de sempre continuar a vagar. Acho que é o que Edgar sente, desde o momento em que inicia sua viagem, e provavelmente o que eu sinto e continuo a sentir."
Mason concorda sobre o fato de "O Afinador de Piano" evocar "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad (1857-1924), mas acha que Carroll é bastante diferente de Kurtz [personagem que, no romance de Conrad, perde a razão e deixa de obedecer ordens superiores]. "Carroll é muito civilizado", diz. "Ele tomou a missão imperial de espalhar a civilização muito seriamente e não aprecia o horror da guerra a seu redor. Enquanto vê no piano uma oportunidade para levar música ocidental a um lugar como a Birmânia, tanto birmaneses como o Império Britânico vêem isso apenas no contexto da guerra. É o aspecto mais trágico de seu caráter."
Mason acaba de voltar de uma viagem ao Brasil, por onde passou por Recife e Bahia. Está reunindo documentação para seu segundo romance, que deve abordar o cangaço por aqui. "Os cangaceiros me interessam pelo fato de serem cruéis e ainda assim heróicos".
(SYLVIA COLOMBO)
O AFINADOR DE PIANO - ("The Piano Tuner"). Autor: Daniel Mason. Tradução: Beth Vieira. Editora: Companhia das Letras. Preço: R$ 41 (385 págs.)


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