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ARTES
Para Paulo Sergio Duarte, precariedade institucional e falta de políticas públicas favorece promiscuidade nociva com o mercado
"Há conformismo entre artistas e curadores"
DO EDITOR DA ILUSTRADA
Leia a continuação da entrevista com Paulo Sergio Duarte.
Folha - A subordinação ao mercado não chega a ser uma novidade...
Duarte - Não é uma novidade na
história. Com o declínio do "artista da corte" no final do século 18 e
a ascensão do artista "profissional
liberal" no século 19, essa situação
de subordinação aos interesses do
mercado já se configurava como
tendência. Van Gogh e Modigliani são casos bem conhecidos de
vítimas, em vida, dessa situação.
O que é novo é o modo como tudo se subordina à forma mercadoria, desde as obras até as instituições. As poéticas contemporâneas nem sempre são tão poderosas a ponto de não se subordinarem a essa forte tendência. O importante é não reduzir tudo a um
julgamento moral a partir dessa
constatação. Digamos que há
muito conformismo entre artistas
e curadores ao se subordinarem a
essas estratégias marketing.
Folha - No Brasil essa "promiscuidade" entre curadores e mercado é
mais acentuada?
Duarte - As relações promíscuas
entre curadoria e mercado são
mais nocivas em situações de precariedade institucional como
ocorre no Brasil. A situação em
que nos encontramos do ponto
de vista político e cultural não é
muito diferente da que nos encontramos do ponto de vista educacional, habitacional ou de saneamento básico. A precariedade
de nossas instituições culturais é a
mesma que a de nossas redes de
água e esgoto ou de nossa educação básica. É nessa situação, sobretudo, que o curador e o artista
devem guardar distância crítica
em relação às operações convenientes do mercado.
Em países como os da América
do Norte -penso mais nos EUA
e no Canada, do que no México,
embora o México esteja muito à
frente do Brasil-, e os da Europa,
a existência de instituições culturais mais densas e consistentes,
bem como um trabalho acadêmico mais intenso em torno da arte,
faz com que essa promiscuidade
entre curadoria e mercado tenda
a ser menos nociva do que em
países com a fragilidade do Brasil.
Folha - Falta política pública?
Duarte - A omissão na formulação de políticas públicas no Brasil
foi e continua sendo muito maior
que na Inglaterra de Thatcher ou
nos EUA de Ronald Reagan. E,
quando há alguma tentativa de
avanço, gritam logo que é patrulhamento ideológico, intervenção
do Estado, e surpreendentemente
os responsáveis pela formulação
recuam. Os que gritam são os
mesmos que estão aí há 40, 50
anos, na cabeça da indústria cultural e do showbiz.
Nesse contexto, não podemos
considerar estranho um curador
achar "natural" estabelecer relações permanentes e diretas com o
mercado no lugar de se dedicar a
formular programas públicos em
instituições. Quando ele se dedica
à instituição pública, é para logo
avançar na relação com o mercado, que é o que lhe interessa.
Os poucos que podem se dedicar a uma carreira pública são
santos, celibatários de vida ascética ou têm outras fontes de renda.
Folha - Temos assistido a artistas
jovens que viram sucessos instantâneos e atingem preços altos no
mercado. São "bolhas" de mercado? É possível fazer um julgamento
sem dar tempo ao tempo?
Duarte - Na área das artes plásticas não ocorre o fenômeno dos
meninos prodígios como na música. Ninguém conhece nenhum
Mozart, Rubinstein ou Barenboim nas artes visuais. Existem alguns artistas que fazem sucesso
precoce e depois se sustentam. Na
minha geração e no Brasil, o
exemplo que me vem logo à cabeça é o de Antonio Dias.
Mas nada é mais arriscado que
as bolhas de mercado. Na economia da arte não ocorre nada diferente do que ocorre na economia
dos outros setores. O importante
é isolar essas questões para pensarmos nos valores estéticos e culturais. São esses que vão sustentar
a obra e dar sua razão de ser. Não
existe nenhum princípio de correlação entre valor de mercado e valor artístico em nenhum setor. Às
vezes eles coincidem, muitas vezes não coincidem: o que estou dizendo vale para as artes plásticas e
qualquer outro campo artístico.
Folha - Mas os colecionadores
não se pautam com freqüência pela
lógica do valor econômico da obra?
Duarte - Para o colecionador o
importante é ele esquecer se vai
ou não ganhar dinheiro. Sempre
existem, principalmente no Brasil, numerosas outras aplicações
mais rendosas e sobretudo com
muito mais liquidez do que o investimento em obra de arte. O importante é ele gostar de arte e não
saber viver sem arte perto dele. É
importante visitar bons museus,
boas coleções para formar o
olhar; estudar história da arte
também ajuda e muito.
E vou logo avisando que não vai
encontrar muito disso no Brasil:
bons museus e boas coleções para
serem visitados, mas os que existem, que são poucos, devem ser
objeto de visitas freqüentes. Se
tem preguiça de sair para ver as
exposições porque acha que não
tem tempo, não vai aprender e vai
ficar pedindo ajuda ao marchand
e ao decorador. Vai alugar o olho
de outro. O que o colecionador ou
qualquer um que gosta de arte
compra é o prazer de ter sempre
por perto algo de que ele tira muito prazer ao olhar. Isto não tem
nada a ver com carteira de ações
ou aplicações em fundos.
Certamente a quase totalidade
das obras de arte não vai se desvalorizar como o seu automóvel,
que em cinco anos não vale a metade do investimento inicial. No
mínimo a obra de arte vai manter
seu valor. Entretanto, olhe as portas dos restaurantes chiques. Tente vender uma obra de arte para
um dos proprietários daqueles
Audis ou Jaguares, que em 2010
custarão menos da metade do valor atual.
Eles vão achar muito cara a obra
de arte. Não adianta MBA em
Harvard; salvo algumas poucas
exceções, a elite brasileira tem a
mesma visão de cultura de uma
porta, isto é, nenhuma. O raciocínio é o inverso daquele da elite
americana. Os americanos são capazes de pagar milhões de dólares
pela obra de um artista ainda vivo, mas jamais aceitariam pagar
75% de imposto sobre o valor de
mercado de um Porsche.
Folha - O que falta na política de
museus do Brasil?
Duarte - Falta tanta coisa. Como
sempre existem exceções, entre os
museus de arte, e aqui só estou me
referindo a eles, a Pinacoteca do
Estado de São Paulo, hoje é a mais
honrosa exceção. Isso se deve sobretudo à dedicação de sua equipe e à clareza de seu diretor no
que diz respeito ao esforço de
manter a instituição como deve
ser um museu público. Mas mesmo a Pinacoteca tem muita coisa
a conquistar no campo técnico,
material e de recursos humanos.
O esforço desenvolvido durante
o governo Covas sob a direção de
Emanoel Araújo teve uma saudável e rica continuidade na pessoa
de outro Araújo, o Marcelo.
Mas veja os outros museus de
arte de São Paulo como estão. Não
vamos falar da tragédia do Masp.
É impressionante a inércia e/ou
cumplicidade da elite de São Paulo diante do que se passa no Masp.
Veja a situação de outra instituição exemplar que é o Museu Lasar Segall, que pertence ao governo federal. Precisa urgentemente
de técnicos, mas não basta abrir
concurso, é preciso salários e planos de carreira que profissionalizem efetivamente as pessoas. Isto
é um dever do poder público.
Mas, falando sério, isso tudo aqui
é uma piada.
Os neófitos neoliberais brasileiros precisam urgentemente se livrar da praga da terceirização e
parar de generalizá-la por todo lado. Não se constroem instituições
somente com trabalho temporário. São precisos quadros permanentes bem remunerados.
Vamos falar do que falta. Depois de uma política clara, com
estratégias precisas de formação
de acervo, os museus de arte brasileira necessitam antes de tudo
de equipes profissionais competentes e bem remuneradas.
Você sabia que em nenhuma cidade do Brasil, nem em São Paulo, nem no Rio, usando todos os
acervos expostos ao público, eu
posso apresentar aos meus alunos
pelo menos a história da arte brasileira no século 20 de uma forma
digna? É muita indigência.
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