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NINA HORTA
Um pequeno traiçoeiro
É a história de uma moça que escreve cartas poéticas e saudosas para sua bisavó
ACHO QUE todos aqueles que
gostam de ler já passaram pela experiência de adivinhar
imediatamente se um livro é bom ou
não. Começa-se a folhear e, de repente, como um peixe de boca grande, é fisgado sem remédio... E lê-se o
livro todo.
O pequeno traiçoeiro que me fisgou chamava-se "Papel Manteiga
- Artes Culinárias. Para Embrulhar
Segredos", publicado pela ed. Memória Visual e escrito por Cristiane
Lisbôa, que tem um blog (www.cristianelisboa.zip.net).
É a história de uma moça, Antônia, jovem que escreve cartas poéticas e saudosas para sua bisavó.
Cartas culinárias e mais um pouco.
Parece que fugiu de casa porque a
mãe a queria uma mulher moderna, e não uma daquelas que fazia
bolos. Vai parar num lugar, num
pico de uma montanha (vamos sabendo as coisas, se é que vamos,
por pinceladas), num restaurante
chamado Mi Casa, de duas mesas,
propriedade da cozinheira Virginia, que se dedicará a ensiná-la a lidar com o fogão.
Recebia um pupilo a cada três
anos e era mais brava que Gordon
Ramsay no programa "Hell's Kitchen". Uma fera. "Escutei as regras
da casa, que incluem não falar enquanto ela cozinha e comer terra
ao errar mais de duas vezes as mesmas instruções. Só para a senhora
entender, instruções para ela são o
que chamamos de receitas. Senhorita Virginia detesta receitas. Nem
diz a palavra."
A cozinha onde trabalham é como deveriam ser todas as cozinhas.
"Aquela cozinha de ladrilhos vermelhos está sempre envolta em
um cheiro tão delicadamente denso que sou capaz de jurar que é
possível cortar um pedaço e guardar na gaveta como sachê."
Um dia, depois de muito tempo,
a professora deixou que a aluna cozinhasse sozinha. "Servi tremendo
cada um dos clientes e chorei três
poças quando, no fim do jantar,
eles ficaram de pé, aplaudindo."
Passou com quase louvor pelo
primeiro ano de estudos e ainda arranjou um namorado marinheiro,
ou pescador, ou do mar, já não me
lembro, ou ela nem contou. Ficou
sonhadora, de orelha quente e entendendo melhor as coisas.
Cristiane Lisbôa escreve bem,
vai escrever melhor ainda no dia
em que se livrar dos seus fantasmas de realismo mágico. Quando
tiver a coragem de escrever claramente do seu jeito. Mas já é bastante boa. Pode chorar uma poça
de lágrimas ao receber as palmas.
E acreditem que não sabe cozinhar na vida real. Duvido, mas é o
que diz. Tem uma co-autora para
escrever as receitas que não desaponta. São escritas com estilo, inteligência e graça, além de serem receitas boas, simpáticas. É Tatiana
Damberg. Que também tem um
blog (www.mixirica.com.br).
Para vocês terem idéia, na contracapa avisam que Cristiane prefere sempre água gelada, e Tatiana
pinta as unhas com cores escuras.
Na base de cada receita, há um
pequeno comentário ou instruções
sem muitas medidas, lembranças
da cozinheira guru, Virginia.
Exemplos: arroz com coco combina muito bem com peixes. Coloque
em uma panela uma medida de arroz tailandês de jasmim (basmati)
para duas medidas de água. Junte
um pouco de coco ralado e o mesmo tanto de leite de coco. Tempere
com uma pitada de sal e outra de
cardamomo em pó. Cozinhe em fogo baixo até secar levemente.
Babaganoush é uma receita das
"Mil e Uma Noites". Queime uniformemente uma berinjela bem
grande na chama do fogão. Coloque na água corrente para retirar
as cascas. Descarte as sementes da
berinjela e bata a polpa com faca
até virar uma pasta. Leve ao fogo
em frigideira com um tico de alho
esmagado e deixe secar um pouco.
Misture com 1/2 xícara de tahine,
um pouco de limão e sal.
ninahorta@uol.com.br
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