São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2007

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NINA HORTA

Um pequeno traiçoeiro

É a história de uma moça que escreve cartas poéticas e saudosas para sua bisavó

ACHO QUE todos aqueles que gostam de ler já passaram pela experiência de adivinhar imediatamente se um livro é bom ou não. Começa-se a folhear e, de repente, como um peixe de boca grande, é fisgado sem remédio... E lê-se o livro todo.
O pequeno traiçoeiro que me fisgou chamava-se "Papel Manteiga - Artes Culinárias. Para Embrulhar Segredos", publicado pela ed. Memória Visual e escrito por Cristiane Lisbôa, que tem um blog (www.cristianelisboa.zip.net). É a história de uma moça, Antônia, jovem que escreve cartas poéticas e saudosas para sua bisavó. Cartas culinárias e mais um pouco.
Parece que fugiu de casa porque a mãe a queria uma mulher moderna, e não uma daquelas que fazia bolos. Vai parar num lugar, num pico de uma montanha (vamos sabendo as coisas, se é que vamos, por pinceladas), num restaurante chamado Mi Casa, de duas mesas, propriedade da cozinheira Virginia, que se dedicará a ensiná-la a lidar com o fogão.
Recebia um pupilo a cada três anos e era mais brava que Gordon Ramsay no programa "Hell's Kitchen". Uma fera. "Escutei as regras da casa, que incluem não falar enquanto ela cozinha e comer terra ao errar mais de duas vezes as mesmas instruções. Só para a senhora entender, instruções para ela são o que chamamos de receitas. Senhorita Virginia detesta receitas. Nem diz a palavra."
A cozinha onde trabalham é como deveriam ser todas as cozinhas.
"Aquela cozinha de ladrilhos vermelhos está sempre envolta em um cheiro tão delicadamente denso que sou capaz de jurar que é possível cortar um pedaço e guardar na gaveta como sachê."
Um dia, depois de muito tempo, a professora deixou que a aluna cozinhasse sozinha. "Servi tremendo cada um dos clientes e chorei três poças quando, no fim do jantar, eles ficaram de pé, aplaudindo."
Passou com quase louvor pelo primeiro ano de estudos e ainda arranjou um namorado marinheiro, ou pescador, ou do mar, já não me lembro, ou ela nem contou. Ficou sonhadora, de orelha quente e entendendo melhor as coisas.
Cristiane Lisbôa escreve bem, vai escrever melhor ainda no dia em que se livrar dos seus fantasmas de realismo mágico. Quando tiver a coragem de escrever claramente do seu jeito. Mas já é bastante boa. Pode chorar uma poça de lágrimas ao receber as palmas.
E acreditem que não sabe cozinhar na vida real. Duvido, mas é o que diz. Tem uma co-autora para escrever as receitas que não desaponta. São escritas com estilo, inteligência e graça, além de serem receitas boas, simpáticas. É Tatiana Damberg. Que também tem um blog (www.mixirica.com.br).
Para vocês terem idéia, na contracapa avisam que Cristiane prefere sempre água gelada, e Tatiana pinta as unhas com cores escuras. Na base de cada receita, há um pequeno comentário ou instruções sem muitas medidas, lembranças da cozinheira guru, Virginia.
Exemplos: arroz com coco combina muito bem com peixes. Coloque em uma panela uma medida de arroz tailandês de jasmim (basmati) para duas medidas de água. Junte um pouco de coco ralado e o mesmo tanto de leite de coco. Tempere com uma pitada de sal e outra de cardamomo em pó. Cozinhe em fogo baixo até secar levemente.
Babaganoush é uma receita das "Mil e Uma Noites". Queime uniformemente uma berinjela bem grande na chama do fogão. Coloque na água corrente para retirar as cascas. Descarte as sementes da berinjela e bata a polpa com faca até virar uma pasta. Leve ao fogo em frigideira com um tico de alho esmagado e deixe secar um pouco. Misture com 1/2 xícara de tahine, um pouco de limão e sal.


ninahorta@uol.com.br

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