São Paulo, sexta-feira, 12 de maio de 2006

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A utopia do cinema

Depois de três anos de planos e discussões, museu em Paris homenageia o cineasta com exibição de filmes Ae mostra modificada por conflitos com curador

Divulgação
Instalação na mostra do Centro Georges Pompidou, em Paris


IZABELA MOI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

O caminho foi árduo, mas a exposição de Jean-Luc Godard, 75, no centro Georges Pompidou, em Paris, foi aberta ao público ontem com pouco mais de dez dias de atraso da data prevista, devido a um desentendimento entre o cineasta e o curador Dominique Païni. Mas, para o diretor da "nouvelle vague", a trajetória sinuosa parece ser parte da rotina criativa.
Organizada em três grandes espaços, em 1.200 m2, a mostra "Voyages en Utopie à la Recherche d'un Théorème Perdu" (viagens pela utopia em busca de um teorema perdido) reúne palavras, objetos e imagens criados e/ou escolhidos por Godard (ou JLG, como o abreviam na França) que se mesclam em montagens-colagens numa reflexão sobre o poder e o espaço da imagem no mundo.
Além da mostra, uma retrospectiva integral, com 140 filmes, que inclui até curtas realizados para publicidade -como uma propaganda da Nike-, poderá ser vista em dois cinemas do Beaubourg até 14 de agosto.
Depois de ter passado por três anos de discussões e planejamento e três projetos diferentes, a exposição parece ter conseguido agradar ao museu Pompidou e talvez ao próprio Godard.
O cineasta não participou da abertura, mas a diretora de produção do centro, Catherine Sentis, intermediária única nessa realização entre a instituição e o artista, afirmou que estava satisfeita com o resultado. E Godard? "Eu espero que sim, eu acho que sim", afirmou, com um sorriso entre o inseguro e o irônico.
Na entrada, o visitante desavisado sente a atmosfera que permeou toda a produção do evento. Pendurado logo atrás do funcionário que controla a entrada no espaço, um texto escrito numa cartolina branca, primeiro em letras-decalque, terminando por um manuscrito como numa escola de ensino básico, em que JLG faz questão de se pronunciar.
"O Pompidou decidiu não realizar a mostra "Collages de France -Archéologie du Cinéma", de JLG, em razão de dificuldades artísticas, técnicas e financeiras que o projeto apresentava [a partir daqui, manuscrito], e a substituir por um outro projeto chamado "Voyages en Utopie à la Recherche d'un Théorème Perdu"."

Lógica?
Nada mal para acirrar a curiosidade sobre o que vem pela frente. A ordem "lógica" da reflexão de JLG talvez seja a sugerida pela cronologia inscrita como subtitítulo em cada sala. Primeiro, a sala -2 (sim, -2), à esquerda de quem passa pela catraca: anteontem, ter ser (avant-hier, avoir être).
Em seguida, a número 3, central, ontem, ter (hier, avoir). Por último, a sala 1, hoje, ser (aujourd'hui, être), à direita. É reafirmada a idéia na equação X + 3 = 1.
Por todos os espaços, sente-se o poder da imagem. Pinturas, vídeos que passam filmes antigos e novos, de Godard ou não, programas de TV, notícias, campeonatos esportivos. Na sala 1, a onipresença da TV no cotidiano: enormes telas planas aconchegadas sobre a mesa de jantar, na pia da cozinha, na sala de estar, sobre a cama. Na sala 3, o cinema decupado e enriquecido por um jardim central.
Há inúmeras citações, e não apenas relacionadas ao cinema. Há livros conectados às instalações, como uma biografia de Freud e uma obra de Schopenhauer, "O Mundo como Vontade e Representação". Também estão presentes maquetes e croquis.
O planejamento da mostra começou em 2003 quando o amigo de 20 anos Dominique Païni, ex-diretor da Cinemateca francesa, convenceu o cineasta a "expor-se" num museu. Mas JLG acabou se desentendendo com Païni em janeiro deste ano e resolveu terminar sozinho (e mudar, a partir do zero) o projeto.
Maldito em seu próprio país -seu último filme, "Nossa Música", foi assistido apenas por 30 mil franceses-, a exposição (planejada desde 2003), do começo ao fim, é Godard por Godard.


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