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DRAUZIO VARELLA
Dinheiro marcado
Novos estudos permitem identificar áreas em que o uso da cocaína é prevalente
A COCAÍNA deixa marcas por
onde passa. Não apenas no
organismo dos usuários, em
suas famílias, na vida comunitária e
na estrutura social corrompida, mas
no dinheiro que circula de mão em
mão.
Há 20 anos ficou demonstrado
que resíduos de cocaína deixam traços persistentes entre as fibras do
papel-moeda. Com a introdução simultânea do euro na Comunidade
Européia, pesquisadores alemães
iniciaram um estudo para determinar os índices de contaminação das
notas circulantes, como tentativa de
obter um método mais confiável para avaliar os padrões de consumo
em cada país.
A forma atual de estimativa é baseada nas quantidades apreendidas
pela polícia, no número de casos de
overdose atendidos nos hospitais e
nas respostas anônimas obtidas por
meio de questionários, métodos estatísticos falhos, porque sujeitos a
inúmeras variáveis.
Na Europa, uma nota de 20 tem
duração média de um ano, no decorrer do qual passa pelas mãos de
milhares de pessoas de todas as camadas sociais. A cocaína se espalha
pelo dinheiro não só por meio do
contato direto com as mãos, mas
porque é hábito comum entre os
usuários inalar o pó através de canudos improvisados com as cédulas, que contaminariam outras ao
entrar em contato com elas nos
bolsos e nas máquinas dos bancos.
Com o emprego de um aparelho
muito sensível, o espectrômetro de
massa, Fritz Sörgel e Verena Jakob, pesquisadores de Nuremberg,
relataram à revista "Science" que a
maioria dos euros atualmente circulantes carregam vestígios da
droga. Os autores dizem que o método de detecção é rápido, sensível
e tem uma grande vantagem: em
vez do pesquisador viajar pelos
quatro cantos de um país atrás de
dados, o dinheiro o faz por conta
própria.
Aplicando essa técnica, Paull
Brett, da Universidade de Dublin,
encontrou na Irlanda uma das
maiores taxas de notas com resíduos entre todos os países da Comunidade Européia. Numa amostra de 120 notas, todas continham
a droga.
Os resultados obtidos acompanham as estatísticas tradicionais
sobre o uso de cocaína nos países
europeus. A liderança cabe à Espanha, seguida de perto pela Itália e,
mais recentemente, pela Irlanda.
Essa tecnologia, no entanto, não
é a única disponível nesse novo ramo da epidemiologia. Depois de
inalada, a cocaína passa cerca de
uma hora em interação com os mediadores químicos cerebrais; depois é decomposta pela ação de enzimas do fígado, retirada da corrente sangüínea pelos rins e excretada pela urina.
Como a espectrometria de massa
é de fato sensível, pode ser aplicada
para detectar a presença da droga
nas estações de esgoto das cidades.
Parece ficção científica, mas não é.
Em Granada, no sul da Espanha,
Sörgel e Jakob demonstraram a
viabilidade da estratégia de testar
uma cidade inteira. Em amostras
colhidas em estações de tratamento de esgoto, eles procuraram traços de um composto (benzoilecgonina), subproduto do metabolismo
da cocaína excretado na urina, que
se decompõe lentamente. Repetindo os testes em intervalos regulares foi possível definir um padrão
de consumo sazonal, com picos no
verão e nos fins de semana.
Estudos conduzidos por Roberto
Fanelli, com as águas do rio Pó, nas
imediações de Milão, produziram
resultados muito semelhantes. Na
cidade suíça de Lugano, centro turístico, amostras colhidas seriadamente revelaram que segunda-feira era o dia de consumo mais baixo
e que nos fins de semana havia aumento de 30 a 40% em relação à
média diária.
Os resultados obtidos em Londres, permitiram calcular índices
de consumo da ordem de 1 kg de
cocaína para cada milhão de habitantes. Esse número sugere que
4% dos jovens de 15 a 30 anos sejam usuários, ao contrário dos 2%
citados nas estatísticas oficiais. Na
Alemanha, país em que a polícia
consegue apreender uma tonelada
por ano, amostras colhidas em rios
e estações de esgoto de 29 regiões,
permitem concluir que os alemães
consumem cerca de 20 toneladas
por ano.
Apesar de ainda existir algumas
dificuldades de padronização dos
testes, os dados colhidos nesses estudos epidemiológicos permitem
identificar áreas e comunidades
em que o uso é mais prevalente.
Podem, ainda servir de base para
entender melhor como a cocaína
se dissemina na população, para
planejar estratégias educativas de
prevenção ao uso.
E, também, para deixar ainda
mais claro que não há esperança de
acabar com o uso de drogas ilícitas
por meio de medidas policiais.
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