São Paulo, Quarta-feira, 12 de Maio de 1999
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Cannes aposta em famosos e se afasta de Hollywood


Nenhum filme brasileiro está na seleção oficial do festival, que começa hoje na França e conta apenas com uma produção de grande estúdio americano


AMIR LABAKI
enviado especial a Cannes

O Festival Internacional do Filme de Cannes despede-se a partir de hoje do século do cinema. "O Barbeiro da Sibéria", do russo Nikita Mikhalkov ("Urga"), inaugura nesta noite a 52ª edição do evento. A seleção aposta em grandes nomes do cinema internacional (de Almodóvar a Kitano), enquanto mantém Hollywood à distância.
Nenhum filme brasileiro participa neste ano da seleção oficial, que inclui a disputa pela Palma de Ouro, os "hors concours", a mostra paralela Un Certain Regard (Um Certo Olhar) e duas disputas de curtas (Palma de Ouro e Cinéfondation). Walter Salles, presente no júri dos curtas, é o isolado representante brasileiro oficial.
Oito produções nacionais serão projetadas dentro do Mercado do Filme (que agrupa cerca de 5.000 profissionais, entre produtores, exportadores, distribuidores e compradores de 70 países). Por sua vez, o documentário "Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás", de Renato Barbieri, será exibido numa mostra simultânea ao festival dedicada a representações cinematográficas de culturas de origem africana. E é só.

Márquez e Proust
A América Latina emplacou dois títulos na lista oficial. "Ninguém Escreve ao Coronel", adaptado por Arturo Ripstein da novela homônima de Gabriel García Márquez, representa o México na disputa pela Palma de Ouro. O cinema argentino teve selecionado "Garage Olimpo", de Marco Bechis, para a mostra Um Certo Olhar. Há ainda, na Quinzena dos Realizadores, o principal ciclo paralelo não-oficial, "El Entusiasmo", do chileno Ricardo Larrain.
O também chileno Raoul Ruiz concorre à Palma de Ouro, mas tem desenvolvido sua carreira há décadas na Europa, tanto que aparece desta vez sob bandeira francesa. Ruiz adaptou ninguém menos que Proust em "Le Temps Retrouvé". Com seu barroquismo, não parece o cineasta mais adequado.
Contam-se 22 longas concorrentes à Palma de Ouro, sete filmes "hors concours" e outros 22 longas em Um Certo Olhar.
O diretor do festival, Gilles Jacob, não parecia eufórico no texto oficial de anúncio da seleção. Diz que "o nível médio é satisfatório dentro do atual contexto". Para compensar, frisa ser esta "uma seleção atenta à modernidade".
Rompendo com seu estilo minimalista, Jacob adiantou alguns dos pontos altos. Destacou "a surpresa de um Lynch e de um Kitano em novos estilos", "a ternura de um Almodóvar e um Gitaì", "a juventude de um (Manoel de) Oliveira", "a ironia de um Egoyan". Nada mais natural que passem a encabeçar a lista dos favoritos.
Por sorte, o júri é presidido pelo imprevisível David Cronenberg ("Crash"). Coerentemente, seus companheiros formam uma lista das mais heterodoxas: as atrizes Dominique Blanc e Holly Hunter, os diretores Doris Dorrie, George Miller, Maurizio Nichetti e André Techiné, o ator Jeff Goldblum, além da cantora lírica Barbara Hendricks e de Yasmina Reza (do megasucesso teatral "Arte").
Espera-se ousadia -mas não milagre. Parece descartada a hipótese de uma premiação com o impacto do triunfo de "sexo, mentiras e videotape", há exatos dez anos. Foi o marco zero do período áureo do cinema independente americano de Steven Soderbergh, Todd Haynes, Hal Hartley e Quentin Tarantino, entre muitos outros.
Neste ano, apenas dois estreantes, como era Soderbergh em 1989, participam da competição oficial. São o francês Jacques Maillot, vindo do curta-metragem, e o chinês de Hong Kong Yu Likwai, formado como diretor de fotografia.
E o velho e bom cinema americano? O pêndulo de Cannes mais uma vez se afasta de Hollywood. "Limbo", de John Sayles, é, até ironicamente, o isolado representante dos estúdios na competição.
Defendendo a forte esquadra independente há David Lynch, Jim Jarmusch e, liderando as expectativas, um Tim Robbins, retomando atrás das câmeras um projeto de Orson Welles ("Cradle Will Rock"). Fora da competição, fala-se na coragem de "Dogma", de Kevin Smith, num "noir" eficiente de Soderbergh ("The Limey"), no bom humor de "ED tv" -mas o que todos querem mesmo ver é Catherine Zeta-Jones ao lado de Sean Connery, em "Armadilha". Não há grande festival que prescinda de encontros assim.


O crítico Amir Labaki está em Cannes a convite da organização do festival.


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