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"EXILADOS"
Único texto teatral escrito por James Joyce inclui ensaio de Alípio Correia de Franca Neto em volume brasileiro
Edição de peça tira autor irlandês do pedestal literário
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A edição de Alípio Correia
de Franca Neto para "Exilados", a única peça de James Joyce,
é um excelente exemplo de uma
tendência cada vez mais consolidada de não considerar uma peça
de teatro como obra em si, em seu
valor fechado literário, mas como
ponto de partida para uma suposta encenação, devendo o texto assim ser publicado acompanhado
por introdução e notas que possam servir de base para os vários
sentidos possíveis do espetáculo.
Em um trabalho de dramaturgista, portanto, Correia abre o volume com um extenso e profundo
estudo que situa James Joyce em
seu tempo e "Exilados" em sua
obra. Partindo de uma listagem
das raras montagens da peça
-desestimuladas, talvez, pelo
mau juízo que os críticos joycianos costumam fazer dela, alegando um excesso de conservadorismo formal-, Correia demonstra
que a peça não é indigna da revolução que Joyce promoveu no romance, por não se limitar a uma
subserviência às receitas realistas
de Ibsen, mas, ecoando Nietzsche
e Wagner, dar margem a uma leitura simbolista que vai muito
além da "tranche de vie", em uma
delicada rede de alusões eruditas.
Dessa forma, assim como em
"Ulysses" (obra-prima de Joyce
que mostra um burguês revivendo em um dia em Dublin tudo o
que Ulisses passou na "Odisséia"), "Exilados" apresentaria
pelo menos duas abordagens possíveis: um quase vaudeville, nos
moldes de Oscar Wilde, no qual se
vê a burguesia evoluir em inteligente auto-ironia, e uma quase
adaptação de Tristão e Isolda,
com toda a profundidade arquetípica que isso acarreta. O que não
ofusca, aliás, a dimensão psicológica dos conflitos apresentados.
Segue-se uma vivisseção do "labirinto do cérebro" no qual se
confrontam Richard, o escritor
prestes a ser consagrado, sua mulher Bertha, inculta e bela, o desenvolto Robert, jornalista amigo
de juventude e apaixonado por
Bertha, e Beatrice, intelectual capaz de inspirar Richard. Esse duplo triângulo amoroso se escoa
em longas cenas, plenas de duplos
e subentendidos que remetem a
Tchecov, mas cuja falta de ação a
torna "imprópria para o palco como a conhecemos", na análise de
Ezra Pound.
Assim, quando se lê em seguida
a peça, em fluida tradução, o próprio leitor pode escolher suas pistas para conhecê-la melhor, auxiliado para isso pelas notas precisas que a sucedem, e fazer sua encenação. Só então, no apêndice final, é que o leitor entra em contato com as notas de Joyce para
"Exilados", quando as intenções
do autor se tornam mais uma interpretação possível.
A estratégia de Correia é particularmente profícua para o caso
de "Exilados", já que o palco ao
qual se referia Pound já não é
mais o palco de hoje, depois que
Pirandello desenvolveu nele a
ambiguidade entre vida e teatro,
Beckett transformou-o em veículo eficaz para o fluxo de consciência e Harold Pinter levou o fio da
ironia ao limite da precisão cirúrgica. Princípios que já podem ser
reconhecidos na peça e que ficam
agora à espera de encenação, já
que essa edição faz a peça descer
do pedestal de "obra-prima" para
voltar a ser matéria-prima para o
palco. Não há posteridade melhor
para uma peça de teatro.
Exilados
Autor: James Joyce
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 42 (224 págs.)
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