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MÔNICA BERGAMO
Fernando Moraes/Folha Imagem
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Ansaldi no apartamento onde vive com uma cadela e um pássaro, cercada de fotos antigas |
Com licença, eu vou à luta
Juntas elas somam 310 anos de idade. De carreira, quase dois séculos. Tempo de vida que as autorizaria a ficar em casa folheando álbuns apinhados de fotos sépias ou mexendo e remexendo em peças
de roupa esgarçadas pelo passar das décadas. As atrizes Tônia Carrero, 82, Cleyde Yáconis, 81, Maria Fernanda, 77, e Marilena Ansaldi, 70, fizeram diferente. Trocaram o curso de cerâmica, o carteado
ou o saudosismo por trabalho e dividem os mesmos holofotes com
gente que nem era nascida quando elas já eram mitos. Carrero estréia espetáculo novo nesta semana. Maria Fernanda voltou ao cinema e aos palcos depois de uma reclusão para cuidar da obra da
mãe, a poeta Cecília Meirelles. Ansaldi também esteve reclusa por
causa de uma depressão, mas assumiu projeto novo e lotou as quatro sessões de "Desassossego", na semana passada. E Yáconis, que
está encerrando a temporada de "Cinema Éden", se prepara para
filmar "Bodas de Papel", de André Sturm. "A vida lhe dá duas opções: ou você fica em casa fazendo tricô, ou vai à luta", diz Yáconis,
referindo-se à personagem que viveu no curta "Célia e Rosita"
(2000). "Preciso trabalhar. Escrevam para mim!", pede.
"Vivo de pires na mão"
Tônia Carrero toma seus cuidados na hora de ser fotografada. Não gosta que a lente fique
abaixo ou acima do nível do seu
rosto. "Fico papuda", brinca a
atriz, que faz questão de mostrar que tem elasticidade ao fazer uma posição de alongamento durante as fotos. Tônia faz ginástica para manter o vigor e
exercita a memória preenchendo, diariamente, palavras cruzadas. "Não faço mais plásticas.
Gente velha não pode operar
depois dos 65 anos. A mulher fica toda repuxada", diz. "Tive
sorte de nascer bonita, mas é
preciso ir além do que Deus dá.
É preciso conquistar."
Tônia estréia novo espetáculo
na próxima terça, em São Paulo.
"Chega de História", com texto
e direção de Fauzi Arap, viaja
pelo interior do Estado até julho, quando volta à capital. "Parar de trabalhar? Não vejo a menor graça nisso. Se for o caso,
prefiro que Deus me dê uma
morte rápida." A atriz nunca
quis ser dona-de-casa, mesmo
quando foi casada "com um
playboy" por 15 anos. "Com César Tedim conheci o "grand
monde'", diz. "Apaixonada
mesmo fui pelo [diretor Adolfo]
Celi, mas ele me trocou por uma
mais nova. Eu tinha 38, a outra
18. Ele até quis voltar. Eu não."
A atriz gosta de política. E de
políticos. Elege Juscelino Kubitschek como o melhor dos ex-presidentes. "Naquele tempo eu
era feliz, sabia onde pisava, até
diziam que éramos amantes,
mas eu era casada. Quem me
dera! Ele me cortejava de longe..." Tônia também conheceu
Fernando Henrique Cardoso
quando foi pedir patrocínio para a montagem de "A Visita da
Velha Senhora". E ela segue em
frente, mesmo que tenha que
bater à porta de patrocinadores
por toda a vida. "Trabalho muito, e o dinheiro não vem. Vivo
de pires na mão", diz. "Meu histórico não adianta nada."
"Não sou celebridade"
Marilena Ansaldi resolveu parar com tudo quando fez 58
anos. "Não agüentava mais ir de
empresa em empresa, explicando quem eu era para conseguir
verba e montar meus espetáculos", diz. "É uma humilhação.
Liberdade é dinheiro." Ex-bailarina do teatro Bolshoi e precursora do teatro-dança no Brasil,
Marilena trancou-se, então, em
seu apartamento de um dormitório, em SP. "Fui abandonada
por mim mesma", diz ela, que
sofreu de depressão e síndrome
de pânico por 12 anos. Aposentada como bailarina pela prefeitura, tirava (e tira) do serviço
público o seu sustento. "A única
coisa que não larguei foi a música erudita, que para mim é
Deus." As coisas mudaram com
"Desassossego", dirigido por
Márcio Aurélio, que lotou um
teatro no centro e já tem apresentações agendadas para Portugal. A atriz, que vendeu o carro para se tratar, afirma que pagou um preço alto por suas escolhas. "Não sou celebridade,
por isso continuo pobre, paupérrima." Se pretende casar pela
quinta vez? "Não preciso mais.
Fiquei com a música."
"Preciso trabalhar"
Cleyde Yáconis está ansiosa.
Começa a filmar na semana que
vem o longa "Bodas de Papel".
"Nunca fiquei satisfeita com os
filmes que fiz. Desta vez achei a
proposta simpática", diz ela,
que mora numa chácara com
quatro cães e cercada de retratos
da mãe e da irmã, a atriz Cacilda
Becker, morta há 36 anos. Yáconis finaliza a temporada de "Cinema Éden" no teatro e prepara-se para um novo espetáculo
neste ano. "Preciso trabalhar.
Eu vivo de teatro. E na TV está
muito difícil papel para uma
mulher com mais de 80 anos. Os
papéis acabam aos 65." A atriz
reclama, mas vai à luta. Confessa estar mais seletiva por viver
com muito pouco. "Não sou
vaidosa, você também não me
vê em comercial e nunca fiz baile de debutantes." Yáconis pratica musculação, dirige o próprio carro e costuma discutir
política com amigos do bairro.
"Estou politicamente recolhida.
Ainda estou sofrendo das dores
do tombo", diz, referindo-se à
atual crise do governo Lula, que
foi seu candidato à Presidência.
"Eu não acredito que ele não
saiba das coisas."
"Eu estava vivendo, lendo, sonhando..."
Maria Fernanda não gosta
quando dizem que estava sumida. "Dei uma parada, mas
acho que a gente não precisa
ter uma carreira. Há momentos em que precisamos parar
para cuidar de filhos", diz a
atriz, hoje no elenco de "A Importância de Ser Fiel", em SP.
"Como vivi e estudei em Londres, conhecia bem a obra de
Oscar Wilde e aceitei o convite
do [diretor Eduardo] Tolentino na hora." Quando morava
na Europa, ela chegou a ter aulas com sir Laurence Olivier e
conheceu a atriz Vivien Leigh.
Durante o tempo que esteve
afastada dos palcos, a atriz deu
recitais com o filho, o músico
Luiz Fernando, e filmou "O
Quinze", baseado em Rachel
de Queiroz. "Eu estava vivendo, lendo, sonhando..."
@ - bergamo@folhasp.com.br
COM JOÃO LUIZ VIEIRA E DANIEL BERGAMASCO
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