São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005

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MÔNICA BERGAMO

Fernando Moraes/Folha Imagem
Ansaldi no apartamento onde vive com uma cadela e um pássaro, cercada de fotos antigas


Com licença, eu vou à luta

Juntas elas somam 310 anos de idade. De carreira, quase dois séculos. Tempo de vida que as autorizaria a ficar em casa folheando álbuns apinhados de fotos sépias ou mexendo e remexendo em peças de roupa esgarçadas pelo passar das décadas. As atrizes Tônia Carrero, 82, Cleyde Yáconis, 81, Maria Fernanda, 77, e Marilena Ansaldi, 70, fizeram diferente. Trocaram o curso de cerâmica, o carteado ou o saudosismo por trabalho e dividem os mesmos holofotes com gente que nem era nascida quando elas já eram mitos. Carrero estréia espetáculo novo nesta semana. Maria Fernanda voltou ao cinema e aos palcos depois de uma reclusão para cuidar da obra da mãe, a poeta Cecília Meirelles. Ansaldi também esteve reclusa por causa de uma depressão, mas assumiu projeto novo e lotou as quatro sessões de "Desassossego", na semana passada. E Yáconis, que está encerrando a temporada de "Cinema Éden", se prepara para filmar "Bodas de Papel", de André Sturm. "A vida lhe dá duas opções: ou você fica em casa fazendo tricô, ou vai à luta", diz Yáconis, referindo-se à personagem que viveu no curta "Célia e Rosita" (2000). "Preciso trabalhar. Escrevam para mim!", pede.

"Vivo de pires na mão"
Tônia Carrero toma seus cuidados na hora de ser fotografada. Não gosta que a lente fique abaixo ou acima do nível do seu rosto. "Fico papuda", brinca a atriz, que faz questão de mostrar que tem elasticidade ao fazer uma posição de alongamento durante as fotos. Tônia faz ginástica para manter o vigor e exercita a memória preenchendo, diariamente, palavras cruzadas. "Não faço mais plásticas. Gente velha não pode operar depois dos 65 anos. A mulher fica toda repuxada", diz. "Tive sorte de nascer bonita, mas é preciso ir além do que Deus dá. É preciso conquistar."

Tônia estréia novo espetáculo na próxima terça, em São Paulo. "Chega de História", com texto e direção de Fauzi Arap, viaja pelo interior do Estado até julho, quando volta à capital. "Parar de trabalhar? Não vejo a menor graça nisso. Se for o caso, prefiro que Deus me dê uma morte rápida." A atriz nunca quis ser dona-de-casa, mesmo quando foi casada "com um playboy" por 15 anos. "Com César Tedim conheci o "grand monde'", diz. "Apaixonada mesmo fui pelo [diretor Adolfo] Celi, mas ele me trocou por uma mais nova. Eu tinha 38, a outra 18. Ele até quis voltar. Eu não."

A atriz gosta de política. E de políticos. Elege Juscelino Kubitschek como o melhor dos ex-presidentes. "Naquele tempo eu era feliz, sabia onde pisava, até diziam que éramos amantes, mas eu era casada. Quem me dera! Ele me cortejava de longe..." Tônia também conheceu Fernando Henrique Cardoso quando foi pedir patrocínio para a montagem de "A Visita da Velha Senhora". E ela segue em frente, mesmo que tenha que bater à porta de patrocinadores por toda a vida. "Trabalho muito, e o dinheiro não vem. Vivo de pires na mão", diz. "Meu histórico não adianta nada."

"Não sou celebridade"
Marilena Ansaldi resolveu parar com tudo quando fez 58 anos. "Não agüentava mais ir de empresa em empresa, explicando quem eu era para conseguir verba e montar meus espetáculos", diz. "É uma humilhação. Liberdade é dinheiro." Ex-bailarina do teatro Bolshoi e precursora do teatro-dança no Brasil, Marilena trancou-se, então, em seu apartamento de um dormitório, em SP. "Fui abandonada por mim mesma", diz ela, que sofreu de depressão e síndrome de pânico por 12 anos. Aposentada como bailarina pela prefeitura, tirava (e tira) do serviço público o seu sustento. "A única coisa que não larguei foi a música erudita, que para mim é Deus." As coisas mudaram com "Desassossego", dirigido por Márcio Aurélio, que lotou um teatro no centro e já tem apresentações agendadas para Portugal. A atriz, que vendeu o carro para se tratar, afirma que pagou um preço alto por suas escolhas. "Não sou celebridade, por isso continuo pobre, paupérrima." Se pretende casar pela quinta vez? "Não preciso mais. Fiquei com a música."

"Preciso trabalhar"
Cleyde Yáconis está ansiosa. Começa a filmar na semana que vem o longa "Bodas de Papel". "Nunca fiquei satisfeita com os filmes que fiz. Desta vez achei a proposta simpática", diz ela, que mora numa chácara com quatro cães e cercada de retratos da mãe e da irmã, a atriz Cacilda Becker, morta há 36 anos. Yáconis finaliza a temporada de "Cinema Éden" no teatro e prepara-se para um novo espetáculo neste ano. "Preciso trabalhar. Eu vivo de teatro. E na TV está muito difícil papel para uma mulher com mais de 80 anos. Os papéis acabam aos 65." A atriz reclama, mas vai à luta. Confessa estar mais seletiva por viver com muito pouco. "Não sou vaidosa, você também não me vê em comercial e nunca fiz baile de debutantes." Yáconis pratica musculação, dirige o próprio carro e costuma discutir política com amigos do bairro. "Estou politicamente recolhida. Ainda estou sofrendo das dores do tombo", diz, referindo-se à atual crise do governo Lula, que foi seu candidato à Presidência. "Eu não acredito que ele não saiba das coisas."

"Eu estava vivendo, lendo, sonhando..."
Maria Fernanda não gosta quando dizem que estava sumida. "Dei uma parada, mas acho que a gente não precisa ter uma carreira. Há momentos em que precisamos parar para cuidar de filhos", diz a atriz, hoje no elenco de "A Importância de Ser Fiel", em SP. "Como vivi e estudei em Londres, conhecia bem a obra de Oscar Wilde e aceitei o convite do [diretor Eduardo] Tolentino na hora." Quando morava na Europa, ela chegou a ter aulas com sir Laurence Olivier e conheceu a atriz Vivien Leigh. Durante o tempo que esteve afastada dos palcos, a atriz deu recitais com o filho, o músico Luiz Fernando, e filmou "O Quinze", baseado em Rachel de Queiroz. "Eu estava vivendo, lendo, sonhando..."


@ - bergamo@folhasp.com.br
COM JOÃO LUIZ VIEIRA E DANIEL BERGAMASCO



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