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Crítica/revista
"Teresa" tem edição dedicada a enigmas de Machado de Assis
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
"João amava Teresa
que amava Raimundo." "A primeira vez
que eu fitei Teresa." "A primeira vez que eu vi Teresa." "São
José deu a mão de esposo a Teresa." "D. Tereza acreditou."
Cadê Teresa?
Ela está novamente aqui.
"Teresa", que significa "natural
da terra", é também uma Revista de Literatura Brasileira, publicada pela USP, Editora 34 e
Imprensa Oficial do Estado, e
chega aos números 6 e 7, organizada por Hélio de Seixas Guimarães e dedicada a Machado
de Assis. São mais de 500 páginas destinadas ao "bruxo do
Cosme Velho", o "grande lascivo do nada". Dois anos antes do
100º aniversário de sua morte e
milhares de páginas depois, o
que mais há para ser dito sobre
Machado? Ainda há muito.
Não se pode nem se deve, sob
pena de grande estrago, decifrar os mistérios machadianos.
Aproximar-se deles é simplesmente aumentar a voltagem de
luz que nos permite enxergar o
tamanho do enigma. Mas continuam se aproximando e "descobrindo a fenda necessária"
Alfredo Bosi, Alcides Villaça,
João Adolfo Hansen, Sergio
Paulo Rouanet, Boris Schnaiderman e outros, vasculhando
os olhos enviesados, as máscaras, as dissimulações e a constatação insuportável de que somos muito mais definidos pelas
contingências do que pelas
convicções, muitas vezes chegando a nomear a conveniência
como uma antiga certeza.
Essa proximidade do centenário da morte de Machado
coincide com os 50 anos da publicação de "Grande Sertão: Veredas". Machado e Rosa são os
dois maiores autores da literatura brasileira. Mas, para além
das datas e da grandeza, como
relacionar os dois? Só mesmo
por oposição complementar,
porque, apesar de contrários,
os dois estão sempre certos.
O próprio conto de Machado,
"A Igreja do Diabo", parece antever, mesmo que por ironia
-essa companheira triste do
bruxo- a dialética que se esconde no gume machadiano.
Diante do Diabo, perplexo porque os humanos insistiam em
"cometer" o bem, após ter sido
oficializado o mal, diz Deus:
"Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm
agora franjas de seda, como as
de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana".
Onde só parece existir inocência, Machado sempre desvenda uma malícia escondida;
até mesmo a malícia da própria
inocência, porque para ele não
há mal maior do que ser inocente. Guimarães Rosa, ao contrário, descobre uma brecha de
inocência onde só se vê a hipocrisia. Talvez o Deus de Machado, que só compreende o desejo
de generosidade humano como
uma negação ao mal legalizado,
não tenha compreendido a generosidade gratuita que Rosa
via. Não é à toa que o mineiro,
como nos conta Cony, dizia que
Machado não fazia nada mais
do que "uma desoladora dissecação do egoísmo, e, o que é
pior, da mais desprezível forma
de egoísmo: o egoísmo dos introvertidos inteligentes".
O fato é que nós, na volúpia
da inteligência, somos uma caravana de egoístas. Mas é fato
também (e talvez os fatos aqui
sejam o que menos interessa)
que nós, nessa marcha do nada,
topamos todos os dias, "nas horinhas de descuido", com uma
canção antiga, um olhar absorto, uma atenção inesperada.
NOEMI JAFFE é escritora e professora de literatura, autora de "Folha Explica Macunaíma" (Publifolha) e "Todas as Coisas Pequenas" (Hedra)
TERESA
Editora: Imprensa Oficial do Estado e
Editora 34
Quanto: R$ 35 (510 págs.)
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