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"Apoio à democracia virou universal"
Em entrevista à Folha, Mario Vargas Llosa diz que reação mundial contrária ao fechamento da RCTV deve ser festejada
Escritor peruano participa de eventos gratuitos com leitores no Centro Cultural Banco do Brasil hoje no Rio, e amanhã, em São Paulo
DA ENVIADA AO RIO
Leia abaixo trechos da entrevista que Mario Vargas Llosa
concedeu à Folha.
(SYLVIA COLOMBO)
FOLHA - "A Cidade e os Cachorros"
(1963), seu primeiro romance, que é
agora relançado, é baseado em sua
experiência pessoal no colégio militar em que estudou, em Lima?
MARIO VARGAS LLOSA - Sim. Estudei lá nos anos de 1950 e 1951.
Eu tinha vivido por dez anos na
Bolívia, para onde minha mãe
me levou depois de ter se separado do meu pai. Quando voltamos para o Peru, ele resolveu
me colocar no colégio militar
porque estava preocupado com
minha vocação literária.
FOLHA - Por quê?
VARGAS LLOSA - Ele achava que
isso era um passaporte para o
fracasso e que virilidade e literatura não podiam andar juntas. Na visão dele, o colégio militar seria a cura para esse mal
de que eu sofria. Mas o coitado
não percebeu que, com isso,
acabou me dando o tema para
meu primeiro romance.
FOLHA - Você sempre se refere a
seu pai de um modo muito duro. Em
sua biografia, "El Pez en El Agua"
(1993), isso está bastante presente.
VARGAS LLOSA - É verdade, a
convivência com ele sempre foi
muito difícil. Eu o conheci apenas quando fiz dez anos. Ele e
minha mãe tinham se separado, e ninguém me disse nada
sobre ele quando era criança.
Minha família era muito católica e conservadora. Por isso
sentia vergonha do divórcio de
minha mãe. Então não se falava
desse assunto. Me fizeram
acreditar que ele estava morto.
Até que, um dia, aos dez anos,
minha mãe me revelou que ele
estava vivo, foi um susto.
Aí voltamos a Lima, onde o
conheci pessoalmente. Minha
vida mudou completamente.
Porque com minha mãe, meus
avós, eu havia sido um menino
muito mimado. Com meu pai
foi muito diferente, pois se tratava de uma pessoa muito autoritária. Além disso, era um desconhecido para mim, assim como eu era um desconhecido para ele. A nossa relação foi muito
ruim desde o começo.
Minha experiência com meu
pai e com o colégio militar são a
matéria-prima de "A Cidade e
os Cachorros".
FOLHA - Mas este é um livro que
também descreve de modo muito
claro como era o Peru naquela época.
VARGAS LLOSA - Sim, no final das
contas, apesar de ter sido uma
experiência traumática, ela foi
ótima. Eu era um menino de
classe média, que vivia muito
protegido. E, de repente, naquele ambiente, descobri o que
era o meu país.
Havia meninos ali de diferentes setores da sociedade, de
classe média, camponeses, pobres e ricos. Descobri o Peru. E
descobri também que odiaria
qualquer sistema autoritário a
partir de então.
FOLHA - O livro teve problemas
com a censura, pois você o escreveu
na Espanha, durante o franquismo.
Como conseguiu liberá-lo?
VARGAS LLOSA - Demorou um
ano. Terminei de escrevê-lo em
1962, mas só o publicamos em
1963. A censura na Espanha,
naquela época, era fortemente
política e moral. Porém, no caso desse livro, o que incomodou
mais os censores foram coisas
menores, como palavrões e
brincadeiras metafóricas. Tivemos de trocar oito palavras para que fosse impresso.
FOLHA - Você se lembra de quais
eram?
VARGAS LLOSA - De algumas,
sim. Havia uma passagem em
que eu descrevia o coronel-chefe como tendo um "ventre de
baleia". O censor me disse que
eu só poderia fazer essa brincadeira com outro oficial, não
com o coronel. Porque ridicularizá-lo era fazer piada com a
instituição. Aí propus que mudássemos para "ventre de cetáceo". E não é que passou? Foi
ridículo.
Depois havia a passagem sobre um padre que freqüentava
uma região de bordéis. Então
me disseram que como era o
único padre da história, seria
ruim que tivesse esse comportamento. Eu teria ou de colocar
mais religiosos ou mudar o texto. Fiz uma tentativa, sugeri
mudar bordéis para prostíbulos. E não é que aceitaram de
novo? A censura era absurda,
estúpida, como foi em todos os
países. Mas o fato é que essas
bobagens atrasaram a publicação do livro por um ano. Depois
que acabou o regime, restabeleci a edição original.
FOLHA - O outro livro que está sendo relançado é "Pantaleão e as Visitadoras" (1973). Foi com ele que você ficou internacionalmente conhecido, não?
VARGAS LLOSA - Esse romance
tem para mim um significado
muito especial. Graças a essa
história descobri que o humor
era possível na literatura. Eu
desconfiava muito de que um
enredo cômico pudesse funcionar. Achava que era incompatível com a literatura séria. Uma
literatura comprometida. Isso
por causa da má influência de
Sartre. Eu fui muito seguidor
de Sartre quando era jovem,
mas aos poucos fui me desiludindo.
FOLHA - Sobrou algo?
VARGAS LLOSA - Sim, ainda acredito numa literatura que tenha
uma mensagem, que seja comprometida com valores que um
escritor defenda. Mas de muitas outras maneiras o que Sartre e os existencialistas pensavam mostrou-se aos poucos defasado, sem utilidade pragmática para o mundo de nossos dias.
FOLHA - Você tem acompanhado a
política latino-americana? O que
achou do fechamento da RCTV por
parte do governo Hugo Chávez?
VARGAS LLOSA - Foi um episódio
lamentável. Mas fiquei feliz de
perceber uma reação contrária
tão intensa não só na América
Latina como na Europa, nos
EUA. A preocupação com a democracia virou definitivamente algo universal, e isso tem de
ser festejado.
FOLHA - Você tem acompanhado o
novo momento da literatura peruana?
VARGAS LLOSA - Sim, acho que há
autores talentosos aí. O que
mais me impressiona é o fato
de ver que as experiências recentes e traumáticas, violentas,
pelas quais o país passou estão
virando tão rapidamente matéria de literatura. Tanto Santiago Roncagliolo como Alonso
Cueto são bons exemplos sobre
como o Peru está refletindo sobre a década Fujimori, sobre o
Sendero Luminoso e esse tempo difícil.
PALESTRAS DE MARIO VARGAS LLOSA NO BRASIL
Quando: hoje, às 18h30, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro
(r. Primeiro de Março, 66); amanhã, às
19h30, no Centro Cultural Banco do
Brasil, em São Paulo (r. Alvares Penteado, 112). Informações sobre ambos
os eventos pelos telefones 0/xx/21/3808-2020 ou 0/xx/ 11/3113-3651
entrada gratuita (haverá distribuição de senhas no local)
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