São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

2ª FLIP

O pop da Flip

Escritores viram celebridades no festival de Parati, que terminou ontem; "A ficção não era tema de festas e fotos", afirma Martin Amis

CASSIANO ELEK MACHADO
LUIZ FERNANDO VIANNA
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATI

A garota gritando furiosos "Pelo amor de Deus" por um autógrafo, o rapaz que chega tremendo para tirar um retrato ao lado de seu ídolo, palmas saindo simultaneamente de mais de mil mãos ao mesmo tempo.
As cenas se repetiram muitas vezes nesta semana na cidadezinha de Parati. E não por causa de um festival de rock ou pelas gravações de uma novela das oito.
Eram todos escritores os "Mick Jaggers" desse roteiro, os autores que participaram da Festa Literária Internacional de Parati, que terminou na noite de ontem. Em sua segunda edição, a Flip assistiu (e discutiu) o provável cruzamento mais forte já visto no país entre a literatura e três letras não muito associadas a ela, "pop".
O epicentro disso, é verdade, teve a mão da MPB. Com ela, Chico Buarque de Holanda fez anteontem a primeira sessão de autógrafos de livros de sua vida, deixando sua assinatura para 113 felizardos -frustrou outras centenas, que protagonizavam cenas "beatlemaníacas", urrando, debatendo-se e cantando "A Banda".
Gritos e sussurros seguiram desde os pouquíssimos passos públicos de Caetano Veloso até as generosas aparições de Luis Fernando Verissimo. Este falou sobre o contato com a massa, durante palestra na tarde de sábado: "Sempre prefiro estar na platéia do que no palco". O tímido confesso teve performance e aplausos de showman.
Sua companheira de mesa, Lygia Fagundes Telles, também acabou a tinta de canetas de tanto autografar, posou para câmeras digitais e expressou sua alegria com a frase "Quando envelhecer quero criar gatos em Parati".
Os brasileiros, e aí inclua-se também "revelações" desta Flip, como Ferréz e Marcelino Freire, trouxeram de volta ao país o cetro de grande atração pop do evento, que na primeira edição foi do octogenário Eric Hobsbawm.

"Tranqüilidade"
Mas compatriotas seus, como Ian McEwan e Martin Amis, fizeram considerações importantes sobre a relação do escritor com o grande público. Em debate na noite de ontem, o primeiro lembrou que, até os anos 70, os autores se limitavam a fazer seus livros, enviá-los aos jornais e esperar pelas resenhas.
"Nos anos 80 a coisa mudou. Não bastava escrever mais os livros, os autores tiveram que aprender a explicá-los. Viramos empregados dos romancistas que somos", disse o romancista.
Amis também refletiu sobre o pop. "Até recentemente a ficção não era tema de festivais, de leituras, de festas e fotos." O autor acredita que a gigantização da mídia foi a responsável. "Os jornais começaram a crescer tanto que não tinham mais como preencher seu espaço e aí passaram a escrever sobre escritores."
Amis escolheu um escritor especial para o encerramento do festival. Na última mesa da Flip, em que sete escritores leram trechos de um autor que admiram, declamou um bocado de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis ("personagem" de diversas palestras).
Outro "fenômeno" do festival, a espanhola Rosa Montero, que teve todos os seus livros esgotados após sua palestra, também apontou a transformação da literatura em pop. "Comecei a fazer literatura porque não conseguia falar em público. Agora tenho que aprender a falar. O marketing é importante, mas às vezes é preciso voltar à tranqüilidade." A Flip acabou. Que venha a tranqüilidade.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Dobradinha inglesa encerra a maratona com obras inéditas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.