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SABATINA FOLHA
Para escritor anglo-indiano, sentença de morte de 1985 foi "prólogo" do 11 de Setembro e de Londres; autor critica hegemonia dos EUA
Fui a 1ª vítima do "jihadismo", diz Rushdie
DA REPORTAGEM LOCAL
Para o escritor anglo-indiano
Salman Rushdie, de 58 anos, os
ataques a seu livro "Versos Satânicos", que lhe renderam uma
sentença de morte do regime do
aiatolá Khomeini [líder religioso
do Irã] em fevereiro de 1989, deveriam ter servido de primeiros
sinais para os atentados terroristas que começaram em Nova
York no dia 11 de setembro de
2001 e cujo mais recente capítulo
foi a explosão de bombas num
ônibus e no metrô de Londres, na
quinta-feira passada. "Considero-me uma das primeiras vítimas do
"jihadismo", uma espécie de prólogo. Agora estamos vendo o
evento principal", disse Rushdie.
"Eu dizia que o que acontecia
comigo estava acontecendo no
mundo inteiro, mas havia um desejo de ver [a fatwa, nome do decreto de Khomeini, que sentenciava Rushdie à morte, alegando
que seus "Versos Satânicos" eram
contra o Islã] como uma coisa incomum. As pessoas não queriam
tirar conclusões gerais partindo
do que estava acontecendo com
meu livro", disse Rushdie na Sabatina da Folha ontem à tarde, em
que foi entrevistado pelos jornalistas Sérgio Dávila, Alcino Leite
Neto, Sérgio Malbergier e pelo sociólogo Emir Sader e respondeu a
perguntas do público.
Mais de 300 pessoas acompanham a conversa no teatro Folha,
no shopping Pátio Higienópolis,
em São Paulo.
Ainda sobre os ataques terroristas, Rushdie disse que é difícil lidar com a ausência de programa
de grupos como a Al Qaeda:
"Eles têm uma ideologia na qual
não são a favor de nada. Quando
os irlandeses [o terrorismo do
IRA] bombardeavam Londres,
sabíamos qual era o objetivo.
Quanto à Al Qaeda, o único objetivo é: "Não gostamos de vocês, e
queremos destruí-los"." O escritor
ressaltou que é preciso aprender
com a reação dos britânicos aos
ataques da semana passada.
"Fiquei muito orgulhoso das
pessoas de Londres, porque eles
reagiram como se nada tivesse
acontecido. As pessoas da América Latina devem aprender com os
ingleses que não é preciso construir uma fortaleza em seu país,
que é preciso não ficar com medo", declarou o anglo-indiano.
Para Rushdie, é improvável que
os Estados Unidos continuem a
ser a única potência mundial, posição que ocupa desde a dissolução da União Soviética em 1989.
Segundo ele, China, Índia e até o
Brasil, apesar de seus respectivos
problemas, têm recursos para se
tornarem potências do futuro.
"É anormal que apenas um país
tenha essa enorme concentração
de poder. Acredito que nem seja
bom para os EUA, e certamente
não é bom para o resto do mundo", ponderou o escritor.
Questionado pela platéia se
acreditava que o presidente dos
EUA, George W. Bush, seria e deveria ser julgado por um tribunal
internacional por crimes contra a
humanidade, respondeu, fleumático, sorrindo: "Se será, eu digo
que não. Se deveria ser, eu passo".
Na avaliação do escritor, potências como os EUA cometem o erro histórico de tentar instaurar regimes de marionetes em alguns
países, como o próprio Khomeini
no Irã, sem se importar com as
pessoas que vivem ali. Na avaliação dele, a Índia pode ser um
exemplo diferente de democracia.
"A Índia tem 1 bilhão de pessoas, é um super-Estado composto de nações que tiveram histórias
independentes. É um sonho que a
União Européia rejeitou. Salvo na
década de 70, quando Indira Gandhi [Primeira-ministra da Índia
entre 1966 e 1977, e 1980 e 1984,
quando foi assassinada], tentou
impor a ditadura, o Exército indiano nunca tentou intervir na
política. É uma democracia que
funciona, embora não fique num
país do Primeiro Mundo. Portanto, há outros modelos, além do
americano e o da Europa ocidental, que podem ser considerados".
A primeira pergunta da platéia
rendeu uma resposta polêmica: o
rabino Henry Sobel quis saber a
visão de Rushdie sobre o papel
dos líderes religiosos diante do
terrorismo nos dias de hoje.
Rushdie contou que, quando sua
sentença de morte foi anunciada,
Khomeini recebeu mensagens de
apoio do papa João Paulo 2º
(1920-2005) e do rabino-chefe do
Reino Unido.
"Eles jogaram como um time
religioso", disse o autor, afirmando em seguida que, em todo o
mundo, muitos assassinatos são
cometidos em nome de vários
deuses e da fé. "O crescimento da
influência de um tipo de cristianismo conservador em Washington também é alarmante".
Ao fim da sabatina, Sobel disse
que se identificou com a fala de
Rushdie quanto à omissão da liderança religiosa diante dos atentados terroristas da atualidade.
Mas ressalvou:
"Ele negou a importância da religião, também. Não concordo. A
falha não é a religião. A falha é a
incapacidade de homens e mulheres sérios de seguir a ética dentro da religião. E a ética é a mesma
em cada religião", disse.
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