São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 2005

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SABATINA FOLHA

Para escritor anglo-indiano, sentença de morte de 1985 foi "prólogo" do 11 de Setembro e de Londres; autor critica hegemonia dos EUA

Fui a 1ª vítima do "jihadismo", diz Rushdie

DA REPORTAGEM LOCAL

Para o escritor anglo-indiano Salman Rushdie, de 58 anos, os ataques a seu livro "Versos Satânicos", que lhe renderam uma sentença de morte do regime do aiatolá Khomeini [líder religioso do Irã] em fevereiro de 1989, deveriam ter servido de primeiros sinais para os atentados terroristas que começaram em Nova York no dia 11 de setembro de 2001 e cujo mais recente capítulo foi a explosão de bombas num ônibus e no metrô de Londres, na quinta-feira passada. "Considero-me uma das primeiras vítimas do "jihadismo", uma espécie de prólogo. Agora estamos vendo o evento principal", disse Rushdie.
"Eu dizia que o que acontecia comigo estava acontecendo no mundo inteiro, mas havia um desejo de ver [a fatwa, nome do decreto de Khomeini, que sentenciava Rushdie à morte, alegando que seus "Versos Satânicos" eram contra o Islã] como uma coisa incomum. As pessoas não queriam tirar conclusões gerais partindo do que estava acontecendo com meu livro", disse Rushdie na Sabatina da Folha ontem à tarde, em que foi entrevistado pelos jornalistas Sérgio Dávila, Alcino Leite Neto, Sérgio Malbergier e pelo sociólogo Emir Sader e respondeu a perguntas do público.
Mais de 300 pessoas acompanham a conversa no teatro Folha, no shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo.
Ainda sobre os ataques terroristas, Rushdie disse que é difícil lidar com a ausência de programa de grupos como a Al Qaeda:
"Eles têm uma ideologia na qual não são a favor de nada. Quando os irlandeses [o terrorismo do IRA] bombardeavam Londres, sabíamos qual era o objetivo. Quanto à Al Qaeda, o único objetivo é: "Não gostamos de vocês, e queremos destruí-los"." O escritor ressaltou que é preciso aprender com a reação dos britânicos aos ataques da semana passada.
"Fiquei muito orgulhoso das pessoas de Londres, porque eles reagiram como se nada tivesse acontecido. As pessoas da América Latina devem aprender com os ingleses que não é preciso construir uma fortaleza em seu país, que é preciso não ficar com medo", declarou o anglo-indiano.
Para Rushdie, é improvável que os Estados Unidos continuem a ser a única potência mundial, posição que ocupa desde a dissolução da União Soviética em 1989. Segundo ele, China, Índia e até o Brasil, apesar de seus respectivos problemas, têm recursos para se tornarem potências do futuro.
"É anormal que apenas um país tenha essa enorme concentração de poder. Acredito que nem seja bom para os EUA, e certamente não é bom para o resto do mundo", ponderou o escritor.
Questionado pela platéia se acreditava que o presidente dos EUA, George W. Bush, seria e deveria ser julgado por um tribunal internacional por crimes contra a humanidade, respondeu, fleumático, sorrindo: "Se será, eu digo que não. Se deveria ser, eu passo".
Na avaliação do escritor, potências como os EUA cometem o erro histórico de tentar instaurar regimes de marionetes em alguns países, como o próprio Khomeini no Irã, sem se importar com as pessoas que vivem ali. Na avaliação dele, a Índia pode ser um exemplo diferente de democracia.
"A Índia tem 1 bilhão de pessoas, é um super-Estado composto de nações que tiveram histórias independentes. É um sonho que a União Européia rejeitou. Salvo na década de 70, quando Indira Gandhi [Primeira-ministra da Índia entre 1966 e 1977, e 1980 e 1984, quando foi assassinada], tentou impor a ditadura, o Exército indiano nunca tentou intervir na política. É uma democracia que funciona, embora não fique num país do Primeiro Mundo. Portanto, há outros modelos, além do americano e o da Europa ocidental, que podem ser considerados".
A primeira pergunta da platéia rendeu uma resposta polêmica: o rabino Henry Sobel quis saber a visão de Rushdie sobre o papel dos líderes religiosos diante do terrorismo nos dias de hoje. Rushdie contou que, quando sua sentença de morte foi anunciada, Khomeini recebeu mensagens de apoio do papa João Paulo 2º (1920-2005) e do rabino-chefe do Reino Unido.
"Eles jogaram como um time religioso", disse o autor, afirmando em seguida que, em todo o mundo, muitos assassinatos são cometidos em nome de vários deuses e da fé. "O crescimento da influência de um tipo de cristianismo conservador em Washington também é alarmante".
Ao fim da sabatina, Sobel disse que se identificou com a fala de Rushdie quanto à omissão da liderança religiosa diante dos atentados terroristas da atualidade. Mas ressalvou:
"Ele negou a importância da religião, também. Não concordo. A falha não é a religião. A falha é a incapacidade de homens e mulheres sérios de seguir a ética dentro da religião. E a ética é a mesma em cada religião", disse.


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