São Paulo, sábado, 12 de julho de 2008

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Animais de guerra

Chega ao Brasil "Leões de Bagdá", HQ inspirada na fuga real de animais do zôo durante a guerra; autor diz que usou bichos porque permitem contar uma "história universal'

Divulgação
Animais fogem do zoológico durante bombardeio na Guerra do Iraque, em imagem da HQ 'Leões de Bagdá'

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em abril de 2003, pouco depois de os soldados norte-americanos invadirem Bagdá, um grupo de quatro leões famintos escapou do abandonado e bombardeado zoológico da cidade para procurar comida nas ruínas do ex-império de Saddam.
A história deles é o tema da HQ "Os Leões de Bagdá", escrita pelo premiado Brian K. Vaughan (com desenhos de Niko Henrichon) e lançada no Brasil pela editora Panini. É uma história de guerra, baseada em diversos acontecimentos reais, mas contada inteiramente do ponto de vista dos animais (que falam), quase sem participação de humanos.
"Queria escrever sob a perspectiva dos não-combatentes e, como os animais transcendem raça, credo e nacionalidade, usá-los como protagonistas permitia contar uma história universal", disse Vaughan à Folha, em entrevista por e-mail.
Ele também se valeu da velha tradição das HQs de dar características humanas aos bichos -algo que vai "do Tio Patinhas de Carl Barks a "Maus", de [Art] Spiegelman", diz.
"Eu queria experimentar essa técnica e também estava ansioso por escrever algo que expressasse meus sentimentos conflitantes sobre a Guerra do Iraque. Quando li reportagens sobre a fuga dos leões, achei o ponto de partida para a história que eu queria contar."
Para Vaughan, a sensibilidade das pessoas ao sofrimento dos bichos também colabora para o impacto do álbum.
"Estranhamente, é difícil para uma pessoa qualquer se emocionar com as vítimas civis das guerras estrangeiras que vemos na TV. Mas quase todos sentem quando vêem um animal inocente sofrer."

Metáforas humanas
Os protagonistas de "Pride of Baghdad" (o duplo sentido do título original se perde em português -"pride" é o coletivo de leão, mas também significa orgulho) são o macho alfa Zill, a velha leoa Safa, a jovem Noor e seu filhote, Ali.
Vaughan dá aos leões características representativas dos diversos tipos humanos e das diversas mentalidades envolvidas em uma guerra de ocupação, como a do Iraque.
Zill, o leão adulto, é um "oportunista benevolente", que até sente saudade da liberdade, mas que aceita viver sob qualquer tipo de "governo" (ou seja, de tratador) desde que sua família seja bem alimentada.
Noor é a rebelde que quer conquistar sua própria liberdade, em vez de ser liberta por alguma força externa. "Não importa como eles nos tratavam, aqueles que nos mantiverem cativos sempre serão tiranos", diz ela, a certa altura.
Safa é a idosa com memórias vivas das dificuldades e dos perigos do passado, que prefere trocar parte de sua liberdade por segurança, enquanto Ali é o jovem inexperiente, que só conheceu a vida no zôo.
"São metáforas, assim como outros animais da história foram inspirados nos apoiadores de Saddam, nos saqueadores, nos insurgentes e nos extremistas religiosos", diz o autor.
"Mas, como a HQ é baseada em uma história real, não fizemos uma alegoria caricata, há bastante ambigüidade nas ações de cada um, como acontece na vida."

Roteirista de "Lost"
O norte-americano Vaughan é um dos mais talentosos roteiristas de quadrinhos da nova geração -ele já ganhou dois Eisner Awards (o Oscar das HQs) e coleciona títulos de melhor autor dados por revistas como "Wizard", "Wired" e "Entertainment Weekly".
Em 2006, depois do sucesso de suas séries de HQs "Y - O Último Homem" e "Ex Machina", ele foi contratado como editor-executivo de roteiro do ultrapopular seriado de TV "Lost". Os episódios que tiveram sua co-autoria foram muito bem recebidos e ele se tornou um dos produtores do programa, na quarta temporada.
Modesto, diz que o sucesso da série se mantém "apesar" de sua presença e que a experiência de trabalhar em grupo (diferentemente da "solidão total" em que cria HQs) tem sido um aprendizado.
"Mas é muito divertido e está me tornando um criador mais forte e confiante, espero."
Ele chama o cultuado quadrinista britânico Alan Moore ("Watchmen") de seu "santo patrono". "Foi ele quem me ensinou que é mais importante ser uma boa pessoa do que um bom autor. Espero conseguir ser algum deles, um dia."

OS LEÕES DE BAGDÁ
Autores: Brian K. Vaughan (texto) e Niko Henrichon (desenhos)
Tradução: Levi Trindade
Editora: Panini
Quanto: R$ 19,90 (140 págs.)



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