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Mônica Bergamo
bergamo@folhasp.com.br
Senatour
Em visita de dois dias, repórter circula pelas dependências do Senado e, em meio à crise, ouve explicação atrás de explicação
Fotos Joedson Alves/Folha Imagem
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Heráclito Fortes, o "moralizador da crise", conta que deu emprego à filha de FHC "porque ela precisava trabalhar pra viver"
José Sarney está abatido. Na
cadeira em que preside a sessão
do Senado, na terça-feira, tem o
ar grave, circunspecto. Todos
os partidos, fora o PMDB, pedem que saia do cargo. "Eu sou
médico, cirurgião, pós-graduado. Pode colocar aí: o presidente Sarney não está deprimido",
diz o senador Mão Santa
(PMDB-PI). "Ele tem é um
comportamento compatível
com a idade dele. E outra: você
deve muito a esse homem. José
Sarney fez a transição democrática neste país sem o registro de nenhuma morte!"
Mas, senador, o presidente
parece pálido, talvez a crise...
"Que crise? Crise nenhuma!!
Um jornal e um repórter valem
pela verdade que dizem, meu
caro!! Sabe o que dizia Wisom
Xôchou?". Quem? "Winston
Churchill", diz o assessor, ajeitando a gravata do chefe.
Os jornalistas que fazem reportagens sobre o Senado ficam em um cercadinho na margem esquerda do plenário. Para
conversar com um parlamentar, é preciso esperar que ele
olhe (sem ignorar). Com o dedo
polegar e o indicador, fazendo
sinal de "por favor, só um minutinho", o jornalista deve usar
uma expressão de clemência
(foi assim com Mão Santa).
Quase sempre o parlamentar
atende ao apelo.
Quando o jornalista cruza
com um senador do lado de fora
do plenário, tem de estar preparado para correr atrás dele,
em galerias cobertas por grossos tapetes azuis. O repórter
Paulo Sampaio, enviado na
semana passada a Brasília,
apressa o passo atrás de Renan
Calheiros. O senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, do
PMDB, dissera há pouco que
Renan "manda em todo mundo
no Senado, menos em mim e
no Pedro [Simon] (PMDB-RS)". Renan acelera. O repórter quase corre atrás dele. "Não
quero falar. Eu também fui
presidente, isso acaba sendo
divulgado...", diz o senador.
A terça-feira foi particularmente agitada na Casa. Comemoravam-se os 15 anos do Plano Real, com as presenças de
Fernando Henrique Cardoso e
Aécio Neves, acomodados entre Sarney e a governadora do
Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, alvo de investigação que
apura improbidade administrativa em seu Estado.
"Coitados, sentaram os dois
[FHC e Aécio] entre os "caindo
de podres". Olha a cara do Aécio", ri baixinho um jornalista.
À saída, Aécio é cercado por câmeras de TV e por um bolinho
de assessores e jornalistas.
Acha que a Yeda queimou seu
filme, governador? "Nada, isso
não contamina, não. Cada um
tem seus problemas."
Os jornalistas podem frequentar também o café que fica
ao fundo do plenário do Senado
e se sentar com os parlamentares para tomar um chazinho,
um suco e comer bolachinhas.
O lugar tem as paredes brancas,
mesas redondas e um biombo
na entrada da cozinha. Ali, é um
permanente entra-e-sai. Mesmo quem está envolvido em alguma situação delicada parece
tranquilo. É o caso do primeiro-secretário Heráclito Fortes
(DEM-PI). Responsável, no
momento, por "moralizar a crise", empregou em seu gabinete
Luciana Cardoso, filha do ex-presidente FHC, que recebia
para trabalhar em casa.
Heráclito leva à boca uma colherada de um minifrapê diet
de abacaxi, servido pela copeira
do café. Depois que se submeteu à cirurgia de redução do estômago, ele precisa fazer sete
refeições pequenas por dia. Já
perdeu 25 kg (de 125 kg).
O democrata diz que Luciana
foi "injustiçada". "A menina
precisava trabalhar pra viver.
Quando o Fernando Henrique
foi embora do Palácio da Alvorada, me disse: "Nossa maior
preocupação é a Luciana, que
precisa ficar em Brasília". O marido dela é funcionário público,
trabalha no Itamaraty, entende? Então, eu disse: "Não se
preocupe, presidente". Ela organizava recortes para montar
uma biografia minha. A Luciana é tão correta que, quando a
dona Ruth estava muito mal,
em São Paulo, ela pediu autorização para ficar com a mãe. Depois da morte, ela me ligou perguntando se podia ficar mais
uns dias. Numa situação daquelas, ainda perguntou se podia, entende?"
Tião Viana (PT-AC), um dos
mais atuantes do "grupo ético",
atende ao chamado de "um minutinho" do repórter e prega,
pela enésima vez, o afastamento do maranhense José Sarney
da presidência do Senado.
Quando se pergunta como sua
filha conseguiu gastar R$ 14 mil
em telefonemas de celular, disparados do México e pagos pelo
Senado, Viana faz uma expressão de quem acabou de comer
um pirarucu estragado. "Já disse o que tinha de dizer sobre isso. Deixa cicatrizar. O Jarbas
Vasconcellos passou dois meses sem falar, eu também tenho
direito. O dinheiro não é do Senado, é meu." Vai pagar em
quantas vezes mesmo? 72?
"Depois a gente fala, amigo..."
Na galeria atapetada, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM)
dá entrevista para uma TV e defende a saída de Sarney. A reportagem aproveita o ensejo.
Senador, ficou a dúvida: foram
R$ 10 mil ou US$ 10 mil (emprestados a ele por Agaciel
Maia)? "R$ 10 mil", diz ele, com
a bochecha intumescida e vermelha. "Eu estava numa situação, mestre, em que você faria a
mesma coisa [pedir R$ 10 mil a
um assessor que pediu ao diretor-geral do Senado]. Naquela
situação, não existe santo.
Qualquer ser humano faria. Já
está tudo saldado."
Logo depois, o repórter recebe um telefonema de Sandra
Ibiapina, assessora de Virgílio,
convidando para um cafezinho
no gabinete. "Você pegou o senador meio acelerado, venha
até aqui conversar comigo com
calma", sugere.
Apesar dos escândalos administrativos, a pauta do dia entre
as secretárias e assessores parlamentares é o bunker de cerca
de 140m2 que Agaciel mantinha, entre o andar de seu gabinete e o debaixo, para reuniões
secretas e, segundo a revista
"Época", encontros íntimos
[teriam sido encontrados no
local um DVD do filme pornô
"Tardes Molhadas" e um tubo
do lubrificante KY pela metade, com validade de dezembro
de 2009]. A matéria também
fala do BMW de Cristiane Tinoco, secretária de Agaciel.
Sandra Ibiapina conta que
Cristiane -que começou como
secretária- mandou um e-mail
aos senadores explicando que é
solteira e que o BMW foi comprado por ela para realizar um
"sonho de final de juventude".
Nos túneis de mármore e
corredores que ligam os vários
prédios anexos do Senado, funcionárias usando sapatos altos
e bolsas grandes recebem beijocas sapecadas por parlamentares de passagem. Às vezes,
eles param para cumprimentá-las olhos nos olhos, segurando
no queixo, alisando a escova definitiva. "O Senado sempre foi
uma casa de tolerância", diz no
plenário o senador Cristovam
Buarque (PDT-DF). Depois,
tenta explicar: "Quis dizer que
a Casa sempre teve muita tolerância nas relações pessoais.
Entendeu?"
Volta e meia toca uma sineta
estridente, tipo recreio, ouvida
em todo o prédio. É para chamar os parlamentares para sessões ou avisar que algum deles
falou demais, além do tempo
regulamentar. Nesse caso, o
presidente Sarney, que passa a
maior parte do tempo estático,
mexe os dedinhos em um painel para abaixar o volume do
microfone de quem abusou no
discurso.
Num intervalo, a reportagem
sobe ao 9º andar do Anexo 1,
para visitar e entender melhor
o setor que cuida dos serviços
de "Direitos e Deveres" e o de
"Qualidade de Vida e Reabilitação Funcional". Entra na primeira sala, onde há três funcionários. Pergunta que direitos e
deveres são aqueles. "Menino
do céu, todos os que a lei 8.112
regulamenta", explica uma senhora de bochechas artificialmente rosadas, sombra colorida e batom forte.
Entre outros direitos, a lei
8.112 regulamenta horas extras,
gratificação natalina e adicional por atividades penosas. No
rol dos deveres, está cumprir as
ordens superiores, exceto as
manifestamente ilegais.
Na sala da qualidade de vida e
reabilitação funcional, a chefe,
Denise Costa, se senta ao lado
de uma bolsa preta lustrosa
Guess. Apesar do cargo, ela diz
que não tem autonomia para
falar sobre o programa: "Diante
da situação da casa, nós não podemos dar informações". Muita gente a ser reabilitada, Denise? Ela precisa de autorização
da "doutora Dóris Marize", diretora de RH, para responder.
Denise pede para o repórter
aguardar a chegada do assessor
de imprensa. Na presença dele,
ela já pode falar. Mas é difícil
entender quais são as "várias
ações do programa". Ela começa pelas "não ações". "Funcionário comissionado não é contemplado", explica. A "atividade corporal de integração vai
ser implementada com o tempo". E "outras atividades, no segundo semestre".
De volta ao plenário, a coluna
avista a cabeleira do senador
Wellington Salgado (PMDB-MG), vulgo "Cabelo", que pagou com verba de seu gabinete
uma jornalista da rádio Itatiaia,
de BH, para fazer releases radiofônicos do ministro Hélio
Costa, das Comunicações. "Eu
não vou enfartar por causa dos
outros. Se você quer saber, tô
perdendo dinheiro aqui. Meu
valor HH (homem-hora) lá fora
é muito maior", diz o senador,
que é dono de universidade.
No entendimento de Salgado, o que deflagrou escândalo
na Casa foi "a modernidade e a
informática, que tornaram tudo muito transparente". "Você
tem que ver que o Senado é
uma casa de idosos, de gente da
época do telefone."
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