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A praça da balada
Casa do teatro alternativo de São Paulo desde o começo da década, praça Roosevelt, no centro, vira ponto de encontro de botequeiros; donos de teatros negam mudança de perfil
Felipe Cunha
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LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Sete salas de espetáculo
abertas em momentos diferentes dos últimos 12 anos fizeram
da praça Roosevelt o QG do teatro alternativo em São Paulo.
Sobretudo a partir de 2003, a
calçada entre as ruas da Consolação e Nestor Pestana, no centro da cidade, foi tomada por
atores, dramaturgos e diretores, que ajudaram a dissociar a
área do binômio tráfico de drogas/prostituição.
De dois ou três anos para cá,
boêmios e botequeiros de carteirinha, mais interessados na
oferta etílica do que nas peças,
engrossam o movimento de
ocupação da praça. Isso sugere
uma possível migração de foco
na área: do teatro para o "oba
oba" regado a álcool dos encontros de compadres.
"Virou mais baladinha do
que centro cultural", diz o ator
e dramaturgo João Fábio Cabral, que estreou na Roosevelt
em 2003. "O público se renovou nos bares, mas o que gosta
de teatro não cresceu. Tem de
haver bares, mas eles não devem engolir os teatros."
Para a atriz e diretora Fernanda D'Umbra, figura assídua
dos palcos da praça desde 2004,
isso se explica porque "é mais
fácil entender o que se fala numa mesa de bar do que em cena; as pessoas são preguiçosas".
Na contramão, o ator, diretor
e dramaturgo Mário Bortolotto, também frequentador da
Roosevelt há cinco anos, é incisivo. "Se a peça é ruim ou não
tem apelo de público, não é culpa do bar. Quando o entorno do
teatro é chocho, acaba que as
pessoas não vão ver as peças."
Existem hoje na praça um café-bar e um boteco. Além disso,
seis dos sete teatros servem bebidas e têm mesinhas. Os administradores das salas dizem que
os bares não são sua maior fonte de receita -ela vem sobretudo da bilheteria, segundo eles.
Gerente do Teatro do Ator,
único sem bar, Thiago Aratteus
contesta. "A bilheteria não banca a manutenção dos teatros. A
taxa média de ocupação das salas é de 40% [60% a 80%, afirmam os outros empresários].
São os bares que as sustentam."
Em agosto, a ala etílica da
praça ganha o reforço do Rose
Velt, restaurante italiano e cachaçaria que terá entre seus sócios os criadores da Cia. Os
Satyros, Ivam Cabral e Rodolfo
García Vázquez. O grupo administra dois palcos na Roosevelt,
ambos com bares à porta.
"Cultura não é só o que se
produz dentro da sala de espetáculo. Ter uma mesa na calçada faz parte do nosso projeto
estético. A ideia é que esse espaço sirva de ponto de troca
criativa", diz Vázquez. "Eu
nunca teria um bar só pelo dinheiro. Mas não vou negar que
[o faturamento] faria falta."
Hugo Possolo, ator e diretor
dos Parlapatões -que abriram
sua sede na praça em 2006-,
também faz o elogio do bar.
"Não acho que o cara vá lá pela
cerveja ou pela paquera. Vai para encontrar uma turma que
pensa e interfere na cidade, para trocar ideias sobre um universo intelectual que não é só
da arte, cobre da Parada Gay ao
Sarney. Isso amplia a visão dos
artistas que andam por lá."
Xerox do xerox
D'Umbra, em cartaz atualmente na Roosevelt, questiona
esse alargamento de horizontes. "O que mais tem na praça é
a classe [teatral] vendo a classe.
A gente está ficando muito autorreferente. Há exceções, mas
parece que as pessoas esqueceram que o mundo é imenso."
E completa: "É uma fábrica
de teatro alternativo [...] A gente está tirando xerox do xerox:
não é só botar em cena uma
"mina" com uma garrafa na mão
e um cara falando palavrão que
se vai explicar alguma coisa. É
preciso que as pessoas tenham
de onde ter tirado isso [...] Acho
de uma importância ímpar a
recuperação da praça, mas a
gente não pode se iludir."
Para o diretor Maurício Paroni de Castro, que estreou na
praça em 2005, o aumento da
circulação de pessoas por conta
dos bares elitizou a área. "Os
teatros passaram a ter segurança na porta, o preço do estacionamento subiu, começaram a
estacionar carro na passagem
dos cadeirantes. Virou uma Vila Madalena de segunda."
Nos bares, a maioria dos fregueses abordados pela reportagem diz bater ponto na praça
mais pela cerveja do que pelo
teatro. Mesmo dentre os que
moram ali, muitos afirmam
frequentar mais assiduamente
o circuito "off Roosevelt" do
que a cena que lhes é vizinha.
"Depois do "boom" do teatro
na praça, veio muito fanfarrão,
virou modinha. Essa nova frequência vem atrás dos bares
que têm teatros, e não o contrário", observa o artista plástico Felipe Aizawa, que circula
pela praça há cinco anos.
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