São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A praça da balada

Casa do teatro alternativo de São Paulo desde o começo da década, praça Roosevelt, no centro, vira ponto de encontro de botequeiros; donos de teatros negam mudança de perfil

Felipe Cunha


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Sete salas de espetáculo abertas em momentos diferentes dos últimos 12 anos fizeram da praça Roosevelt o QG do teatro alternativo em São Paulo. Sobretudo a partir de 2003, a calçada entre as ruas da Consolação e Nestor Pestana, no centro da cidade, foi tomada por atores, dramaturgos e diretores, que ajudaram a dissociar a área do binômio tráfico de drogas/prostituição.
De dois ou três anos para cá, boêmios e botequeiros de carteirinha, mais interessados na oferta etílica do que nas peças, engrossam o movimento de ocupação da praça. Isso sugere uma possível migração de foco na área: do teatro para o "oba oba" regado a álcool dos encontros de compadres.
"Virou mais baladinha do que centro cultural", diz o ator e dramaturgo João Fábio Cabral, que estreou na Roosevelt em 2003. "O público se renovou nos bares, mas o que gosta de teatro não cresceu. Tem de haver bares, mas eles não devem engolir os teatros."
Para a atriz e diretora Fernanda D'Umbra, figura assídua dos palcos da praça desde 2004, isso se explica porque "é mais fácil entender o que se fala numa mesa de bar do que em cena; as pessoas são preguiçosas".
Na contramão, o ator, diretor e dramaturgo Mário Bortolotto, também frequentador da Roosevelt há cinco anos, é incisivo. "Se a peça é ruim ou não tem apelo de público, não é culpa do bar. Quando o entorno do teatro é chocho, acaba que as pessoas não vão ver as peças."
Existem hoje na praça um café-bar e um boteco. Além disso, seis dos sete teatros servem bebidas e têm mesinhas. Os administradores das salas dizem que os bares não são sua maior fonte de receita -ela vem sobretudo da bilheteria, segundo eles.
Gerente do Teatro do Ator, único sem bar, Thiago Aratteus contesta. "A bilheteria não banca a manutenção dos teatros. A taxa média de ocupação das salas é de 40% [60% a 80%, afirmam os outros empresários]. São os bares que as sustentam."
Em agosto, a ala etílica da praça ganha o reforço do Rose Velt, restaurante italiano e cachaçaria que terá entre seus sócios os criadores da Cia. Os Satyros, Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. O grupo administra dois palcos na Roosevelt, ambos com bares à porta.
"Cultura não é só o que se produz dentro da sala de espetáculo. Ter uma mesa na calçada faz parte do nosso projeto estético. A ideia é que esse espaço sirva de ponto de troca criativa", diz Vázquez. "Eu nunca teria um bar só pelo dinheiro. Mas não vou negar que [o faturamento] faria falta."
Hugo Possolo, ator e diretor dos Parlapatões -que abriram sua sede na praça em 2006-, também faz o elogio do bar. "Não acho que o cara vá lá pela cerveja ou pela paquera. Vai para encontrar uma turma que pensa e interfere na cidade, para trocar ideias sobre um universo intelectual que não é só da arte, cobre da Parada Gay ao Sarney. Isso amplia a visão dos artistas que andam por lá."

Xerox do xerox
D'Umbra, em cartaz atualmente na Roosevelt, questiona esse alargamento de horizontes. "O que mais tem na praça é a classe [teatral] vendo a classe. A gente está ficando muito autorreferente. Há exceções, mas parece que as pessoas esqueceram que o mundo é imenso."
E completa: "É uma fábrica de teatro alternativo [...] A gente está tirando xerox do xerox: não é só botar em cena uma "mina" com uma garrafa na mão e um cara falando palavrão que se vai explicar alguma coisa. É preciso que as pessoas tenham de onde ter tirado isso [...] Acho de uma importância ímpar a recuperação da praça, mas a gente não pode se iludir."
Para o diretor Maurício Paroni de Castro, que estreou na praça em 2005, o aumento da circulação de pessoas por conta dos bares elitizou a área. "Os teatros passaram a ter segurança na porta, o preço do estacionamento subiu, começaram a estacionar carro na passagem dos cadeirantes. Virou uma Vila Madalena de segunda."
Nos bares, a maioria dos fregueses abordados pela reportagem diz bater ponto na praça mais pela cerveja do que pelo teatro. Mesmo dentre os que moram ali, muitos afirmam frequentar mais assiduamente o circuito "off Roosevelt" do que a cena que lhes é vizinha.
"Depois do "boom" do teatro na praça, veio muito fanfarrão, virou modinha. Essa nova frequência vem atrás dos bares que têm teatros, e não o contrário", observa o artista plástico Felipe Aizawa, que circula pela praça há cinco anos.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: "Todo ator precisa de plateia"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.