São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2000


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DANÇA
Balé da Cidade de São Paulo cria "alternativa artística" para ampliar o limite de vida ativa dos profissionais da área
Companhia 2 recebe bailarinos mais velhos

ESPECIAL PARA A FOLHA

Peças descartáveis nos grupos "estáveis" de dança, os bailarinos brasileiros tendem a ser substituídos por volta dos 40 anos de idade. Tal perspectiva vale atualmente para aqueles que não têm vínculo empregatício -uma tendência que cresce cada vez mais, em contraposição aos que se transformaram em funcionários públicos.
Na pauta de discussões dos diretores de companhias de dança, a vida ativa dos bailarinos é problema que, no dia-a-dia, se mistura às verbas insuficientes e à construção de um repertório atraente.
Para a diretora artística do Balé da Cidade de São Paulo, Ivonice Satie, a luta pela sobrevivência à qual estão submetidos tanto os bailarinos quanto os coreógrafos, acaba afetando o rendimento criativo. "Como têm de dedicar-se a atividades paralelas, acabam chegando estressados ao estúdio de ensaios."
Em busca de soluções, Satie criou no ano passado a Companhia 2 do Balé da Cidade, com o objetivo de aproveitar a maturidade de bailarinos próximos dos 40 anos. "Trata-se de uma proposta com finalidades artísticas."
"A dança avançou, hoje o intérprete menos jovem pode manter-se em cena, proporcionando novas leituras estéticas", ela diz, salientando que o novo grupo ainda não garante estabilidade trabalhista ao elenco."
"A condição de funcionário público está desaparecendo, porque hoje a prefeitura não mais faz concursos para admitir bailarinos", diz Armando Aurich, 37, e integrante da Companhia 2 do Balé da Cidade. Presidente da associação que defende os direitos do elenco do BCSP, ele acha que é vital desenvolver leis específicas para a dança.
"Hoje somos prestadores de serviços, sem vínculos empregatícios e sem direitos trabalhistas. Melhores condições e perspectivas futuras influiriam inclusive na criação. A falta de políticas culturais também prejudica o desenvolvimento de coreógrafos no Brasil, que não contam com estabilidade mínima para se aprimorar", afirma Aurich, que também atua como coreógrafo.

Patrocínio e crises
No entanto, apesar das dificuldades, a maioria das companhias públicas acha que está conseguindo trabalhar sem crises dramáticas, como já ocorreu com o Balé da Cidade de São Paulo (BCSP), em fases anteriores.
Fundado em 1968 sob a denominação de Corpo de Baile do Teatro Municipal de São Paulo, o Balé da Cidade também costuma dançar de acordo com os humores políticos, aos quais está sujeito. Subordinado à prefeitura e à Secretaria Municipal de Cultura, já foi proibido de se apresentar fora de São Paulo no final dos anos 80, durante a gestão do então prefeito, Jânio Quadros.
Durante mudanças de governo, e as consequentes trocas de diretores artísticos, também tornou-se comum a paralisação de atividades. Em sua última crise, o Balé da Cidade foi extinto temporariamente em 1994, por ordem de Paulo Maluf, prefeito na época, que se indignou com os protestos dos bailarinos, descontentes com os atrasos dos salários.
Resolvido o impasse, o elenco ganhou fôlego e conseguiu penetrar no mercado internacional, depois de participar da Bienal de Lyon (França), em 1996. Mas, apesar do padrão de qualidade do elenco, o BCSP ainda apresenta um repertório irregular.
Dedicado às obras clássicas na primeira fase de sua trajetória, o BCSP logo mudou seu perfil, abrindo-se para a produção contemporânea. Viveu momentos de grande vitalidade, sob a direção de Antonio Carlos Cardoso e de Klauss Vianna.
Com a direção de Satie, o grupo vem preservando a coesão técnica e a afinidade com autores brasileiros contemporâneos. "A situação não é confortável para ninguém e procuramos fazer o máximo com o mínimo", diz Satie, que costuma contar com cerca de R$ 300 mil por ano para produzir espetáculos.
Para as próximas temporadas, o sonho de Satie é trazer o coreógrafo sueco Mats Ek -um dos criadores mais disputados da atualidade.
"O difícil será convencê-lo a trabalhar com uma companhia que ele nunca ouviu falar", ela prevê. Também adquirir uma obra da carioca Deborah Colker está nos planos da diretora.
Paralelamente ao Balé da Cidade, Satie dirige a Companhia de Danças de Diadema, também vinculada à prefeitura de sua cidade-sede. Fundada há cinco anos, já surgiu com propostas alternativas de trabalho, para viabilizar sua atuação.
"Para ter carteira assinada e fundo de garantia, os bailarinos foram contratados como arte-educadores. Além de dançar na companhia, trabalham na comunidade, dando aulas para a população de baixa renda, crianças ou idosos."
(ANA FRANCISCA PONZIO)


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