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VMB
MTV consagra O Rappa e estética da fome
Eduardo Knapp/Folha Imagem
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Integrantes da banda O Rappa e o garoto Gigante festejam um dos seis prêmios recebidos no VMB |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O Rappa é a banda do momento, segundo avaliação
transmitida pela MTV na premiação de seu 6º Video Music Brasil,
ocorrida na noite de anteontem.
O clipe "A Minha Alma (A Paz
Que Eu Não Quero)" levou seis
dos sete prêmios a que concorria e
obteve a rara conjunção de ser
eleito por público e crítica.
Não deixa de ser colírio aos
olhos -a MTV hoje é emissora
amplamente bem-sucedida dentro de seus parâmetros, O Rappa é
das bandas mais dignas do cenário atual e o clipe enfoca, em tom
documental, a exclusão social que
bombardeia o Brasil de 2000.
A consagração presta-se, além
do mais, como fonte funda de reflexão sobre a confusão instalada
entre feiúras e belezas do Brasil.
Pois Glauber Rocha apareceu
numa das vinhetas, e é mesmo caso de evocar sua estética da fome,
hoje transtornada em estética da
falta de fome -a do Brasil rico da
Conspiração Filmes (produtora
do vídeo), de João Moreira Salles
(saudado pelos vencedores), de
"Central do Brasil" (filme em que
Fernanda Montenegro se torna
heroína ao reconduzir o nordestino ao Nordeste), de Sebastião Salgado, de Marisa Monte...
O que parece estar em curso,
acima das boas intenções dos manos do Rappa, é a esterilização da
miséria, e nisso a MTV entra de
sola, coroando a cultura da cordialidade, a cultura do sim, da domesticação a que o mundo musical brasileiro se entrega, junto
com seus outros mundos.
São tantos exemplos (pobre da
atitude rock'n'roll, tão golpeada).
Raimundos abriram a festa com
uma versão, uau, tão "rebelde"
de... "20 e Poucos Anos", de Fábio
Jr.. Pedro Luís e A Parede compuseram música em louvor a Luana
Piovani, a mais insossa apresentadora da história do VMB.
O pós-roqueiro Edgard Scandurra abraçou Daniela Mercury
(premiada com justiça na categoria axé) para falar de música eletrônica. O bardo rebelde tropicalista se juntou à máquina de hits
pagodeiros Leandro Lehart. Júnior, o de Sandy, foi o percussionista-revelação da noite. Ahã.
João Barone (ao que consta, era
para ser Herbert Vianna), que um
dia tocou que a esperança não vinha das antenas de TV, pagou o
mico de apresentar prêmio de pagode, enquanto Ivete Sangalo decretava que "todo mundo gosta
de pagode" (o público de São
Paulo, inventora do pagode mauricinho, discordou e fez cinco segundos de silêncio). A pretensa
homenagem a Cazuza -cantado
por "rebeldes" tipo Jota Quest e
Sandy & Júnior- redundou em
gargalhadas constrangidas.
Os contrastes propostos pela
MTV instilaram preconceito. Para que tudo ficasse como está, Lula foi equiparado à cultura de periferia do rap, o ultra-reacionário
Flávio Cavalcanti reintroduziu
Wilson Simonal (que nem morto
encontra a paz), Clodovil e Fivelinha jogaram lama sobre a cultura
gay à base de mútuas grosserias,
Lilian Witte Fibe realçou o sotaque baiano de Popó, a nova gostosa da MTV passou vergonha com
Zé Bonitinho.
A síndrome, aqui, era do mundo pós-geográfico (o geográfico já
não existe mais), que conseguia
fazer ocupar mesmo lugar no espaço as mentes cariocas "iluminadas" da Conspiração, as paulistas globalizadas da MTV, a baiana
irrealista de Dani Mercury (que
até ao se despedir da audiência
paulistana consegue sonhar que
está na Bahia, agradecendo "valeu, Salvador"), a espanhola de
Pedro Almodóvar, a de lugar nenhum de Ratinho.
Ao final, dona Luana reclamou
que seus 400 mil votantes não era
"pequena" audiência. Ora, dona,
quantos habitantes têm São Paulo
e o Brasil? Quantas pessoas vêem
"No Limite"? É possível abrir a
boca na hora certa, não chamar
urubu de meu louro e não tomar
o adjetivo "pequeno" por detração? Dona MTV, o Brasil precisa
tanto de seu senso crítico...
Em cenário de grossa despriorização, brilhou quem mais conseguiu preservar a dignidade -Jair
Rodrigues fazendo rap, Simoninha interpretando uma canção,
Capital Inicial cantando "Primeiros Erros" belamente, Rita Lee
chamando Erasmo Carlos de "pai
do rock", Monique Evans sendo
Monique Evans, a MTV homenageando dez anos da MTV.
Eram esses que davam fio ínfimo de esperança, de que os versos
de Gregório de Mattos cantados
em 72 por Caetano Veloso não
houvessem virado pós-fumaça.
"Triste Bahia, ó quão dessemelhante", diziam. Triste, o Brasil
domesticado de 2000 parece só se
gostar onde tudo é igual, uniforme, coreografado, nivelado. Ave.
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