São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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GASTRONOMIA

LIVRO

Jornalista americana faz levantamento histórico da exploração do produto

Cobiça predatória leva o caviar à quase extinção

Ana Carolina Fernandes - mai.2000/Folha Imagem
Fábrica de caviar em Bandare Anzali (Irã); segundo o livro, o produto está no limiar da extinção


JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA

O livro "Caviar a Estranha História e o Futuro Incerto da Iguaria Mais Cobiçada do Mundo" (ed. Intrínseca, 320 págs., R$ 44) é antes de tudo uma boa obra de jornalismo, mais do que de gastronomia. Sua autora, a jornalista americana Inga Saffron, foi por quatro anos correspondente em Moscou, numa época (anos 90) em que a exploração indiscriminada e criminosa do caviar permitia-lhe comê-lo diariamente às colheradas. Até ela perceber que tamanha profusão de um produto tão raro era sinal de que suas fontes poderiam se esgotar rápido.
Saffron combina informação histórica com personagens atuais e o depoimento do que viu in loco nas unidades de produção (e também de contrafação) das preciosas ovas de esturjão às margens do rio Volga, na costa russa do mar Cáspio, lar de quase todos os peixes desta espécie que ainda povoam o mundo.
O caviar é um produto que passou por mais uma daquelas sagas curiosas, em que se transita da mesa do aldeão para as baixelas de prata dos aristocratas. A história é velha, já que o esturjão, como sugere sua aparência grotesca, é um peixe pré-histórico, que já nadava pelo planeta 250 milhões de anos antes de o homem aparecer. O caviar (o verdadeiro) são as suas ovas, frescas, somente salgadas e embaladas. São 27 espécies de esturjão, mas as mais prezadas são o gigantesco beluga (cujo caviar -até 400 quilos numa única fêmea- é o mais caro, ovas cinzentas grandes, brilhantes e untuosas), o ossetra (ovas menores e de gosto mais intenso) e o sevruga (ovas miúdas e mais salgadas).
Nos últimos 300 anos estas ovas deixaram de ser alimentação popular para ganhar notoriedade, ao cair nas graças dos aristocratas. No século 19 o consumo cresceu tanto, a pesca tornou-se tão intensa (atingindo justamente as fêmeas grávidas, que reproduzem a espécie), que na maior parte do hemisfério norte o peixe se extinguiu.
Até o começo do século 20 o maior produtor de caviar eram os Estados Unidos. Mas o esturjão desapareceu do rio Delaware, passando ao mar Cáspio a primazia mundial. Ali, União Soviética e Irã controlavam a produção. Com o esfacelamento do império soviético em 1991, agora são cinco os países a explorar a área.
Enquanto o Irã, hoje, exerce maior controle sobre a qualidade do produto, a Rússia passou a ser berço de pirataria e produção clandestina. Com isso, ao longo da década de 90 o produto tornou-se bem mais acessível (mas não igualmente confiável) mundo afora; hoje, teme-se que a desenfreada exploração leve a sua extinção, apesar de medidas que finalmente, de poucos anos para cá, o governo russo começou a tomar.
Resta ver, como indaga o livro, até que ponto ainda será possível salvar essa preciosidade gastronômica, tão intensa no sabor untuoso quanto no que simboliza para o imaginário, da razia produzida pela cobiça predatória.


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