São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2004

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TEATRO

Com mais de 40 peças escritas, autor paulista tem duas em cartaz e ajudou no texto de "Tauromaquia", que estréia hoje

Abreu "narra" drama contemporâneo

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

No ano em que Nelson Rodrigues morreu, 1980, ele estreou profissionalmente com "Foi Bom, Meu Bem?", uma comédia do grupo Mambembe (1976-1986), de Santo André, no ABC paulista.
Desde então, atravessando a fase de tintas secas da dramaturgia nacional, a morte de Plínio Marcos (1935-1999), ícone par de Nelson, e o surgimento de novos autores na virada do milênio para cá, o fato é que Luís Alberto de Abreu continua fazendo o que mais gosta: escrever para teatro.
Ele já está na casa das 40 peças, entre as quais "Eh, Turtuvia!", um auto caipira em cartaz com a sua companheira de 11 anos, a Fraternal Companhia de Artes e Malas-Artes, dirigida por Ednaldo Freire; e "O Auto do Circo", com a caçula Cia. Estável de Repertório, dirigida por Renata Zhaneta.
Mais um trabalho de Abreu ganha o palco a partir de hoje. Ele coordenou a dramaturgia de "Tauromaquia", texto final assinado por Alessandro Toller, 29, uma das dezenas de jovens escritores que participam de cursos ministrados pelo autor Brasil afora. A peça, dirigida por Maria Thaís, estréia no Sesc Anchieta.
Essa é uma das características desse autor: a generosidade em transmitir os fundamentos que ele aprendeu e exercita. "Generosidade, não", corrige Abreu, 52. "As aulas são um procedimento natural, inteligente, pois me ajudam a me reciclar com a disponibilidade dos novos escritores."
Abreu atua na Escola Livre de Teatro (ELT) de Santo André desde o início dos anos 90, convidado por Celso Frateschi e Maria Thaís, idealizadores daquele projeto que segue até os dias de hoje como um dos exemplos de política pública de acesso gratuito à formação artística de qualidade.
Há sete anos, coordena o núcleo de dramaturgia da ELT. É capaz de lidar com a mesma paixão pela escrita cênica ao deparar com moças e rapazes que jamais foram ao teatro, por exemplo, ou com aqueles que já iniciaram a caminhada nas artes cênicas, caso do projeto Oficinão, mantido pelo grupo Galpão, de Belo Horizonte, que resultou na montagem de "O Homem Que Não Dava Seta".
Sobretudo a partir da adaptação de "Iepe" (1997), dentro da pesquisa da comédia popular com a Fraternal, a dramaturgia de Abreu tem sido marcada pela ênfase no teatro narrativo.
"Eu já trabalhava a estrutura épica em si em textos anteriores, mas depois o foco se voltou para a presença do narrador", diz. No texto, esse procedimento, em linhas gerais, permite ao espectador a distinção da voz do personagem e de quem conta, uma sobreposição de tempo e espaço que encontra terreno nas comédias e, talvez com mais complexidade, nos dramas.
Abreu enveredou por esse terreno em "A Guerra Santa" (1991), poema encenado por Gabriel Villela dois anos depois; e em "O Livro de Jó" (1995), a segunda peça da chamada trilogia bíblica do grupo Teatro da Vertigem.
Na adaptação do poema de fé, de cunho didático, religioso, no qual a mulher de Jó desponta apenas com uma fala, torna-se justamente a personagem-contraponto na peça escrita em processo colaborativo com o Vertigem.
"Sua opção por processos coletivos e pelo trabalho de grupo é um diferencial que faz com que sua escrita, ainda que apoiada em premissas da tradição teatral -e isso nele é vibrante, um trampolim criativo-, mantenha vínculos profundos com as dúvidas do presente", diz Antônio Rogério Toscano, atual coordenador-geral da ELT em Santo André.
"Com a Fraternal, as sobreposições de planos épicos chega à vertigem. Com o Vertigem, ele aproveita a visceralidade e faz uma visitinha a Artaud. Retorna ao histórico para reavaliar as tradições cênicas com o Galpão e com a cia. Estável. Curioso, vai até São José dos Campos e amplifica a sua pesquisa do Nô para fazer "Maria Peregrina". Da mesma forma, chega aos tiroleses de Piracicaba, reconstrói a cidade de Santo André ao partir da estrutura de "Nossa Cidade", de Thorton Wilder. Sem contar a militância que faz com que ele se envolva radicalmente com tudo o que acredita", enumera Toscano, ele também um dramaturgo ("Sacromaquia") que participou de aulas com Abreu, como Hugo Possolo, Mário Viana, Marici Salomão, Sérgio Pires, entre outros.
Difícil é tirar Abreu, morador em São Bernardo do Campo, de seu ofício para falar de si, tímido e recolhido que é, adepto da carpintaria silenciosa das palavras, ainda que plena de ecos dos interlocutores. É com essa cadência que chegou ao cinema com os roteiros de "Os Narradores de Javé" (2000) e "Kenoma" (1998). Ainda agora, escreve para um renomado diretor de TV, praia onde pisa pela primeira vez, mas sobre a qual prefere segredar até o tempo da colheita.


O AUTO DO CIRCO. Onde: teatro Flávio Império (r. Prof. Alves Pedroso, 600, Cangaíba, tel. 6623-2930). Quando: sáb. e dom.: 20h. Até 17/10. Quanto: entrada franca

EH, TURTUVIA! Onde: teatro Paulo Eiró (av. Adolfo Pinheiro, 765, Santo Amaro, tel. 5546-0449) Quando: sex. e sáb.: 21h; dom.: 19h; até 31/10. Quanto: R$ 10



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