São Paulo, sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"DESEJO E OBSESSÃO"

Drama vê caminhos do amor canibal

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

"O filme é, de certa forma, sobre o amor." Essa foi a resposta que a diretora Claire Denis encontrou para os jornalistas que repercutiam a controvérsia causada por "Desejo e Obsessão" no Festival de Cannes 2001. A julgar pela resposta, a cena de abertura pode ser vista como uma carta de intenções: o flagrante de um beijo noturno comentado pela fina orquestração da banda Tindersticks. "Quando você olha através dos meus olhos, você vê problemas todos os dias", canta a voz grave de Stuart Staples.
Mas, se esse é mesmo um filme de amor, seria preciso acrescentar que se trata de um daqueles ao estilo "ame-o ou deixe-o" -em Cannes, houve quem deixasse a sessão. Isso tudo porque, se resumido ao seu enredo, como gostam de fazer os críticos americanos, "Desejo e Obsessão" não foge à categoria "filme de horror".
Vejamos: o jovem casal Brown chega a Paris em lua-de-mel. Um pretexto para o senhor Brown (Vincent Gallo), atormentado por estranhas compulsões, procurar velhos conhecidos, Léo (Alex Descas), um cientista banido dos círculos oficiais por conta de uma controversa experiência com a libido humana, e sua mulher (Béatrice Dalle), cuja beleza é ainda mais predatória do que aparenta.
Dito isso, deve-se ressaltar que o enredo não importa muito. O público que não se engane: a diretora não é de fazer gênero. "Desejo" é um filme de atmosfera (um filme sobre a noite) que segue languidamente o fluxo do desejo de seus protagonistas, máquinas desejantes. É claro, as já famosas cenas de canibalismo estão lá, intensas mas perfeitamente estetizadas, prontas a levantar polêmica.
No início dos anos 90, quando rodava um curta com Gallo, Denis recebeu a proposta de um produtor americano para fazer um "filme de horror". Na época, ela se achava incapaz de fazer um filme de gênero. Nove anos depois, mudou de idéia. A melhor forma que encontrou de driblar, com seu talento, as ambições de seus financiadores foi levar o gênero a sério.
O resultado é uma obra que resvala nos códigos do filme de vampiro somente para se sedimentar sobre o mistério das relações humanas -o vampirismo entra aqui em sua forma original, sadiana, como sinônimo e metáfora de uma sexualidade desenfreada.
Denis continua enredada nas fronteiras e tessituras das relações humanas. A diretora, que começou como assistente de Wim Wenders e Jim Jarmusch, nunca deixou de reivindicar Jacques Rivette como referência. No documentário que dirigiu em homenagem ao cineasta para a série "Cinéma de Notre Temps", o veterano dizia: um filme deve ser, antes de tudo, um complô daqueles que o realizam. Lição que Denis e sua turma (comparsas de longa data como a fotógrafa Agnès Godard, o co-roteirista Jean-Pol Fargeau e o ator Alex Descas) parecem compreender cada vez melhor.


Desejo e Obsessão
Trouble Every Day
   
Direção: Claire Denis
Produção: França/Alemanha/Japão, 2001
Com: Vincent Gallo, Béatrice Dalle
Quando: a partir de hoje no Top Cine


Texto Anterior: Popload: Escute estas canções
Próximo Texto: "Tão Distante": Japonês faz quebra-cabeça com imagens
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.