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"DESEJO E OBSESSÃO"
Drama vê caminhos do amor canibal
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
"O filme é, de certa forma, sobre o amor." Essa foi a resposta que a diretora Claire Denis encontrou para os jornalistas que repercutiam a controvérsia causada
por "Desejo e Obsessão" no Festival de Cannes 2001. A julgar pela
resposta, a cena de abertura pode
ser vista como uma carta de intenções: o flagrante de um beijo noturno comentado pela fina orquestração da banda Tindersticks. "Quando você olha através
dos meus olhos, você vê problemas todos os dias", canta a voz
grave de Stuart Staples.
Mas, se esse é mesmo um filme
de amor, seria preciso acrescentar
que se trata de um daqueles ao estilo "ame-o ou deixe-o" -em
Cannes, houve quem deixasse a
sessão. Isso tudo porque, se resumido ao seu enredo, como gostam de fazer os críticos americanos, "Desejo e Obsessão" não foge
à categoria "filme de horror".
Vejamos: o jovem casal Brown
chega a Paris em lua-de-mel. Um
pretexto para o senhor Brown
(Vincent Gallo), atormentado por
estranhas compulsões, procurar
velhos conhecidos, Léo (Alex
Descas), um cientista banido dos
círculos oficiais por conta de uma
controversa experiência com a libido humana, e sua mulher (Béatrice Dalle), cuja beleza é ainda
mais predatória do que aparenta.
Dito isso, deve-se ressaltar que o
enredo não importa muito. O público que não se engane: a diretora não é de fazer gênero. "Desejo"
é um filme de atmosfera (um filme sobre a noite) que segue languidamente o fluxo do desejo de
seus protagonistas, máquinas desejantes. É claro, as já famosas cenas de canibalismo estão lá, intensas mas perfeitamente estetizadas, prontas a levantar polêmica.
No início dos anos 90, quando
rodava um curta com Gallo, Denis recebeu a proposta de um produtor americano para fazer um
"filme de horror". Na época, ela se
achava incapaz de fazer um filme
de gênero. Nove anos depois, mudou de idéia. A melhor forma que
encontrou de driblar, com seu talento, as ambições de seus financiadores foi levar o gênero a sério.
O resultado é uma obra que resvala nos códigos do filme de vampiro somente para se sedimentar
sobre o mistério das relações humanas -o vampirismo entra
aqui em sua forma original, sadiana, como sinônimo e metáfora de
uma sexualidade desenfreada.
Denis continua enredada nas
fronteiras e tessituras das relações
humanas. A diretora, que começou como assistente de Wim
Wenders e Jim Jarmusch, nunca
deixou de reivindicar Jacques Rivette como referência. No documentário que dirigiu em homenagem ao cineasta para a série "Cinéma de Notre Temps", o veterano dizia: um filme deve ser, antes
de tudo, um complô daqueles que
o realizam. Lição que Denis e sua
turma (comparsas de longa data
como a fotógrafa Agnès Godard,
o co-roteirista Jean-Pol Fargeau e
o ator Alex Descas) parecem compreender cada vez melhor.
Desejo e Obsessão
Trouble Every Day
Direção: Claire Denis
Produção: França/Alemanha/Japão,
2001
Com: Vincent Gallo, Béatrice Dalle
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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