São Paulo, quinta-feira, 12 de agosto de 2010

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NINA HORTA

Passeio em Minas


Uns cheiros repentinos que desalojam memórias enterradas, um milharal adolescente, brejos, traíras


NÃO ESTOU de preguiça, só resolvi mostrar mais uma carta de leitor. Esse já frequenta a coluna há um bom tempo e, pasmem, só o conheci na semana passada, assim, de relance. Escreve do jeito que eu gosto. É o Luiz Paulo Portugal.
"Cheguei ontem de Minas, com queijos, mudas, presentinho de tia, azia, no porta-malas um bololô de traquitanas. Passamos por Tiradentes para almoçar com um sol castigando a turistada fora do peso nas ruas intransitáveis de carrões e com o cheiro de refogado gritando pelas portas de bibocas que vendem "comida típica ensebada mineira" aos incautos.
As estradas que levaram e que nos tiraram de Tiradentes, essas sim, uma lindeza. Fazendolas, matinhas, picos pedregosos, murundus, gaviões e aqueles piares de passarinhos que, mesmo com o carro em movimento, penetram fundo nos miolos. Uns cheiros repentinos que desalojam memórias enterradas, um milharal adolescente com o feijão começando a subir, brejos, traíras.
Conhecemos até Lagoa Dourada, a capital mundial dos rocamboles horríveis vendidos por toda parte como secções de um imenso intestino entupido de doce de leite. Parece que a moda é viajar e trazer um rocambole-terror, como alardeia toda parada ao longo das estradas de Minas. Pão de queijo com linguiça, darling? So last season...
Em Belo Horizonte não escapo de mim, ruminante memorioso. Mãe bem de saúde, com aqueles queixumes genéticos de mineiro, inofensivos, industriosa e contadora de causos: - Sabe "Lizpaulo", Celina (a empregada ) agora deu para arrumar cozinha de luz apagada porque diz que luz fluorescente faz cair cabelo e vai arear panela até gastar do lado de fora no tanque, que fica tudo com cheiro de ovo, alho nos panos, uma coisa. Gasta uma lata de soda cáustica por semana, tá "imanicada" por limpeza e eu dou com a canela no frizi na escuridão que tô toda roxa e eu desbaratei um ninho de quenquém que comeu meu jasmim em uma noite, ponho remédio e nada (note a indistinção entre remédio e veneno), e Petrina (ex-nossa babá) trouxe uma farinha de macaco (milho torrado moído e frito, parecido com o "pinole" mexicano) muito boa de Ponte Nova, mas não posso, a vesícula, o quibe da Lourdinha (tia) na festinha de Marininha (sobrinha) nem comi, tava com cheiro de boca de cachorro, sabe? Assim, não refogou o recheio, uma carne cor de pano de pó e a empadinha curuz! Galinheiro molhado. Blá, blá, blá...
Assim pulando de assunto, sem cansar.
E fui para o mercado-masmorra de BH que é uma coisa apertada, com umas gentes saídas de uma pintura de Bosch, nas sombras do labirinto de lojinhas minúsculas abarrotadas de tudo o quanto há. Tudo empilhado, numa mistura de cheiros danada. Galinhas, patos, pavões, pombos, passarinhos -vivos e engaiolados.
Muito queijo. Muito. Como agora a moda é o Canastra (90% beiço, logro), suei um pouco para achar um Serro supostamente legítimo para curar em casa, para fazermos o teste do pão de queijo. Minha intenção principal era trazer queijos e polvilhos de todos os tipos para testar as receitas da gougère tabajara e a eterna contenda entre a turma do polvilho doce, a turma do polvilho azedo e a turma peemedebista da mistura dos dois.
Encontrei o lendário polvilho (doce e azedo) de Bom Despacho e já podemos marcar uma conversa na copa entre beberagens estimulantes e pães de queijo axiomáticos." L.P.P

ninahorta@uol.com.br


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