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CINEMA/ESTRÉIA
"HISTÓRIAS DO OLHAR"
Filme, composto por quatro episódios, é a estréia na ficção da documentarista Isa Albuquerque
Roteiro afunda trama sobre ressentimento
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Alguns dos mais promissores cineastas contemporâneos, como o francês Laurent
Cantet e os irmãos belgas Luc e
Jean-Pierre Dardenne, tiveram no
documentarismo a sua formação.
A lição primeira que Cantet diz
ter aprendido foi a de que, para
acreditar nos próprios personagens, é preciso inseri-los em uma
realidade (um contexto) que os
ultrapasse. Uma maneira de abrir
a cena para o mundo, mas também, como salientam os Dardenne, uma forma de resistência: de
modo geral, o documentarismo é
o que permite hoje aos cineastas
surpreenderem tudo o que ainda
escapa e resiste ao caráter cada
vez mais programático e roteirizado do mundo contemporâneo.
São lições e possibilidades como
essas que a diretora Isa Albuquerque, documentarista de formação, negligencia em seu longa de
estréia na ficção, "Histórias do
Olhar". Ter-se rendido ao que pode haver de demasiado programático e roteirizável no cinema
de ficção talvez não fosse o maior
de seus erros, se o seu roteiro não
fosse tão ruim -tanto pior que,
tendo gravado originalmente em
vídeo digital, a diretora não tenha
aproveitado a maior liberdade de
investigação formal e temática
que o suporte proporcionaria.
As histórias a que se refere o título são quatro contos de inveja e
voyeurismo que, somados, poderiam resultar em um adendo ao
menos curioso à teoria que associa o novo cinema nacional a uma
"cultura do ressentimento" própria ao darwinismo social brasileiro. Essa cultura, como assinala
o filme de Albuquerque, que nunca chega a transpor os limites da
telerrealidade brasileira, repercutindo mesmo seus piores clichês,
foi, em boa parte, semeada pela
teledramaturgia nacional.
O ressentimento de que trata esse filme é o daqueles que invejam
e vampirizam os que são jovens,
belos e famosos. Na primeira história, uma jovem é importunada
por uma senhora que lhe inveja a
beleza e a juventude.
Na segunda, uma psicanalista
feiosa, cuja teoria é a de que "beleza não põe mesa", desconta todo
o seu ressentimento em um cliente bonitão e célebre que lhe deu o
fora no passado.
Na terceira, uma jovem tímida é
vampirizada pela mãe e assediada
por três homens: o padrasto mau-caráter, um porteiro rancoroso e
um fotógrafo folgazão. Na quarta,
um maestro cobra de um escultor
por este ter esculpido nua sua musa inspiradora.
Histórias do Olhar
Produção: Brasil, 2003
Direção: Isa Albuquerque
Com: Juan Alba, Camilo Bevilácqua
Quando: a partir de hoje nos cines Frei
Caneca Unibanco Arteplex, Lumière e
Market Place Playarte
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