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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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CINEMA/ESTRÉIA

"HISTÓRIAS DO OLHAR"

Filme, composto por quatro episódios, é a estréia na ficção da documentarista Isa Albuquerque

Roteiro afunda trama sobre ressentimento

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Alguns dos mais promissores cineastas contemporâneos, como o francês Laurent Cantet e os irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne, tiveram no documentarismo a sua formação.
A lição primeira que Cantet diz ter aprendido foi a de que, para acreditar nos próprios personagens, é preciso inseri-los em uma realidade (um contexto) que os ultrapasse. Uma maneira de abrir a cena para o mundo, mas também, como salientam os Dardenne, uma forma de resistência: de modo geral, o documentarismo é o que permite hoje aos cineastas surpreenderem tudo o que ainda escapa e resiste ao caráter cada vez mais programático e roteirizado do mundo contemporâneo.
São lições e possibilidades como essas que a diretora Isa Albuquerque, documentarista de formação, negligencia em seu longa de estréia na ficção, "Histórias do Olhar". Ter-se rendido ao que pode haver de demasiado programático e roteirizável no cinema de ficção talvez não fosse o maior de seus erros, se o seu roteiro não fosse tão ruim -tanto pior que, tendo gravado originalmente em vídeo digital, a diretora não tenha aproveitado a maior liberdade de investigação formal e temática que o suporte proporcionaria.
As histórias a que se refere o título são quatro contos de inveja e voyeurismo que, somados, poderiam resultar em um adendo ao menos curioso à teoria que associa o novo cinema nacional a uma "cultura do ressentimento" própria ao darwinismo social brasileiro. Essa cultura, como assinala o filme de Albuquerque, que nunca chega a transpor os limites da telerrealidade brasileira, repercutindo mesmo seus piores clichês, foi, em boa parte, semeada pela teledramaturgia nacional.
O ressentimento de que trata esse filme é o daqueles que invejam e vampirizam os que são jovens, belos e famosos. Na primeira história, uma jovem é importunada por uma senhora que lhe inveja a beleza e a juventude.
Na segunda, uma psicanalista feiosa, cuja teoria é a de que "beleza não põe mesa", desconta todo o seu ressentimento em um cliente bonitão e célebre que lhe deu o fora no passado.
Na terceira, uma jovem tímida é vampirizada pela mãe e assediada por três homens: o padrasto mau-caráter, um porteiro rancoroso e um fotógrafo folgazão. Na quarta, um maestro cobra de um escultor por este ter esculpido nua sua musa inspiradora.


Histórias do Olhar 
Produção: Brasil, 2003
Direção: Isa Albuquerque
Com: Juan Alba, Camilo Bevilácqua
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, Lumière e Market Place Playarte



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