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teste de visão
Após desdém da crítica em Cannes e aval de Saramago, "Ensaio sobre a Cegueira" se submete hoje, enfim, à prova do público
Alexandre Ermel/Divulgação
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A atriz Julianne Moore em cena do filme dirigido por Fernando Meirelles
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Ensaio sobre a Cegueira",
quarto longa do diretor brasileiro Fernando Meirelles, 53,
estréia hoje em 95 cinemas brasileiros e, no fim do mês, em
1.500 salas dos Estados Unidos.
Co-produzido por Japão, Canadá e Brasil com R$ 41,4 milhões, o filme teve no 61º Festival de Cannes, em maio, um lugar de honra -a sessão de abertura, em competição pela Palma de Ouro. Mas a reação da
maioria da crítica presente ao
festival foi de desapontamento.
Na entrevista a seguir, Meirelles conta como o escritor
português José Saramago, autor do livro no qual o filme se
baseia, ajudou-o a recobrar a
confiança no filme, fala de sua
relação com a crítica e revela
que o longa tem de arrecadar
cerca de R$ 90 milhões nas bilheterias para remunerar o investimento dos produtores.
FOLHA - Você diz ser movido a desafios. Neste caso, o desafio era filmar um livro tido como infilmável?
FERNANDO MEIRELLES - Era filmar
uma história que não se tem
por onde pegar. É um filme sobre uma doença que não existe
nem nunca vai existir, numa cidade que não existe, com personagens que não têm nem nome nem história. É pura invenção. Eu tinha medo. Pensava
em como o espectador iria se
interessar por uma história que
não tem nada a ver com ele. A
primeira coisa que falam nos
manuais de roteiro americanos
é sobre a identificação com o
personagem, para grudar o espectador. Essa possibilidade o
filme não tinha. Não contamos
quem são os personagens.
FOLHA - O desafio foi vencido?
MEIRELLES - Não sei. Vamos ver
como o espectador reage. Mas
foi a coisa que mais me angustiou. Eu assistia e falava: tem
uma frieza aí. É claro que tem.
Se eu mostrasse duas cenas
daquele japonês antes de ficar
cego, saindo de casa, com a mulher, numa situaçãozinha curiosa, você já ficaria amigo dele.
Quando ele cega, você tem
pena: "Pô, aquele cara tão legal!
Hoje era aniversário, ele estava
preparando aquela surpresa
para a mulher e agora vem isso!". O filme não tem isso. É daquele momento para a frente.
FOLHA - Como foi a experiência de
desagradar no Festival de Cannes?
MEIRELLES - Foi uma surpresa. A
[revista norte-americana] "Variety" disse que o filme não deveria ter sido feito. É mais que
desagradar. É uma agressão.
Nunca tinha passado por algo
tão forte assim.
Na verdade, não li as críticas.
Foram me falando. Fui para
Lisboa dois dias depois da sessão em Cannes. Aí, sim, fiquei
muito ansioso. Pensei: "Esse
filme não é o que eu pensava.
Agora vou mostrá-lo para o Saramago e tudo estará acabado".
Aí foi aquela reversão de expectativa [a reação do escritor
ao filme está em vídeo no Youtube]. Recobrei a confiança. Peguei o pulso do filme de novo.
FOLHA - Após sessões-teste com
público no Canadá, você decidiu
suavizar as cenas de estupro. Em
Cannes, parte dos críticos disse que
o filme não retrata o horror descrito
no livro. Arrependeu-se de haver
suavizado a violência?
MEIRELLES - Não me arrependi.
O filme não é para crítico. É para público.
FOLHA - Não é um filme de arte?
MEIRELLES - Não. É um filme de
entretenimento inteligente.
Não é um filme de estúdio. Tenho o corte final, mas é preciso
ter responsabilidade com o investidor. Custou US$ 24 milhões [R$ 41,4 milhões]; tem
que ter público. Ninguém espera que seja um blockbuster,
mas tem que fazer uns US$ 20
milhões [R$ 34,5 milhões] nos
EUA e uns US$ 40 milhões [R$
61,1 milhões] no resto do mundo, senão não se paga.
FOLHA - Você disse que o filme não
é para críticos e que não lê críticas.
Qual é sua relação com a crítica?
MEIRELLES- É aquela velha história: se a crítica é boa, você fica
se achando. Se é ruim, fica mal,
desanimado, desestimulado.
Então decidi que leio crítica de
outros filmes, dos meus, não.
FOLHA - Uma visão mais otimista
classifica a crítica como "um diálogo
entre pessoas inteligentes". A crítica
no Brasil não é inteligente e não lhe
ajuda a pensar sobre sua obra?
MEIRELLES - Acho que é muito
inteligente e adoro falar dos
meus filmes diretamente com
os críticos. Gosto quando, num
debate, o cara me desafia. Mas a
crítica em jornal é quase uma
sentença. Está escrito e não há
direito de resposta.
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