São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2008

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teste de visão

Após desdém da crítica em Cannes e aval de Saramago, "Ensaio sobre a Cegueira" se submete hoje, enfim, à prova do público

Alexandre Ermel/Divulgação
A atriz Julianne Moore em cena do filme dirigido por Fernando Meirelles

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ensaio sobre a Cegueira", quarto longa do diretor brasileiro Fernando Meirelles, 53, estréia hoje em 95 cinemas brasileiros e, no fim do mês, em 1.500 salas dos Estados Unidos. Co-produzido por Japão, Canadá e Brasil com R$ 41,4 milhões, o filme teve no 61º Festival de Cannes, em maio, um lugar de honra -a sessão de abertura, em competição pela Palma de Ouro. Mas a reação da maioria da crítica presente ao festival foi de desapontamento. Na entrevista a seguir, Meirelles conta como o escritor português José Saramago, autor do livro no qual o filme se baseia, ajudou-o a recobrar a confiança no filme, fala de sua relação com a crítica e revela que o longa tem de arrecadar cerca de R$ 90 milhões nas bilheterias para remunerar o investimento dos produtores.

 

FOLHA - Você diz ser movido a desafios. Neste caso, o desafio era filmar um livro tido como infilmável?
FERNANDO MEIRELLES
- Era filmar uma história que não se tem por onde pegar. É um filme sobre uma doença que não existe nem nunca vai existir, numa cidade que não existe, com personagens que não têm nem nome nem história. É pura invenção. Eu tinha medo. Pensava em como o espectador iria se interessar por uma história que não tem nada a ver com ele. A primeira coisa que falam nos manuais de roteiro americanos é sobre a identificação com o personagem, para grudar o espectador. Essa possibilidade o filme não tinha. Não contamos quem são os personagens.

FOLHA - O desafio foi vencido?
MEIRELLES
- Não sei. Vamos ver como o espectador reage. Mas foi a coisa que mais me angustiou. Eu assistia e falava: tem uma frieza aí. É claro que tem. Se eu mostrasse duas cenas daquele japonês antes de ficar cego, saindo de casa, com a mulher, numa situaçãozinha curiosa, você já ficaria amigo dele. Quando ele cega, você tem pena: "Pô, aquele cara tão legal! Hoje era aniversário, ele estava preparando aquela surpresa para a mulher e agora vem isso!". O filme não tem isso. É daquele momento para a frente.

FOLHA - Como foi a experiência de desagradar no Festival de Cannes?
MEIRELLES
- Foi uma surpresa. A [revista norte-americana] "Variety" disse que o filme não deveria ter sido feito. É mais que desagradar. É uma agressão. Nunca tinha passado por algo tão forte assim. Na verdade, não li as críticas. Foram me falando. Fui para Lisboa dois dias depois da sessão em Cannes. Aí, sim, fiquei muito ansioso. Pensei: "Esse filme não é o que eu pensava. Agora vou mostrá-lo para o Saramago e tudo estará acabado". Aí foi aquela reversão de expectativa [a reação do escritor ao filme está em vídeo no Youtube]. Recobrei a confiança. Peguei o pulso do filme de novo.

FOLHA - Após sessões-teste com público no Canadá, você decidiu suavizar as cenas de estupro. Em Cannes, parte dos críticos disse que o filme não retrata o horror descrito no livro. Arrependeu-se de haver suavizado a violência?
MEIRELLES
- Não me arrependi. O filme não é para crítico. É para público.

FOLHA - Não é um filme de arte?
MEIRELLES
- Não. É um filme de entretenimento inteligente. Não é um filme de estúdio. Tenho o corte final, mas é preciso ter responsabilidade com o investidor. Custou US$ 24 milhões [R$ 41,4 milhões]; tem que ter público. Ninguém espera que seja um blockbuster, mas tem que fazer uns US$ 20 milhões [R$ 34,5 milhões] nos EUA e uns US$ 40 milhões [R$ 61,1 milhões] no resto do mundo, senão não se paga.

FOLHA - Você disse que o filme não é para críticos e que não lê críticas. Qual é sua relação com a crítica?
MEIRELLES
- É aquela velha história: se a crítica é boa, você fica se achando. Se é ruim, fica mal, desanimado, desestimulado. Então decidi que leio crítica de outros filmes, dos meus, não.

FOLHA - Uma visão mais otimista classifica a crítica como "um diálogo entre pessoas inteligentes". A crítica no Brasil não é inteligente e não lhe ajuda a pensar sobre sua obra?
MEIRELLES
- Acho que é muito inteligente e adoro falar dos meus filmes diretamente com os críticos. Gosto quando, num debate, o cara me desafia. Mas a crítica em jornal é quase uma sentença. Está escrito e não há direito de resposta.


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