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MÔNICA BERGAMO
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Elisete Barbosa, 31, assistiu a um filme no cinema pela primeira vez no último domingo |
Um dia no CEU
Inaugurados há menos de três meses, os CEUs (Centros Educacionais Unificados) já viraram o centro
da vida social de algumas comunidades da periferia
paulistana. A coluna passou o domingo, 5, no CEU
Jambeiro, o primeiro a ser aberto, a 35 km do centro. E
pode afirmar: o novo point, por onde passam até 5.000
pessoas por fim de semana, é a "orla de Guaianases".
O banho nas três piscinas
tem hora marcada. O espaço é o
mais disputado e funciona em
rodízio. A cada duas horas, uma
turma de 120 banhistas toma o
lugar ao sol da anterior. É preciso se inscrever com até quatro
dias de antecedência. Está começando mais um fim de semana num dos CEUs da cidade.
Só entra na água quem tem
carteirinha, emitida depois de
um exame médico feito lá mesmo. Há uma série de regras: nada de protetor solar ou roupas
de banho brancas. E, no caso do
CEU Jambeiro, biquínis são
proibidos. "Fica mais organizado", explica a auxiliar da direção da escola Érica Alves. A piscina fecha na hora do almoço.
Só reabre após as 14h.
Uma área gramada, à sombra
do prédio da creche, faz as vezes
de Ibirapuera. Quem não tem
vez na piscina se esparrama por
ali mesmo. Como não há praças
por perto, é o lugar escolhido
por casais de namorados, que
reclamam de sentar no chão,
porque lá não há bancos. Foi ali,
no gramado, que floresceu o namoro do almoxarife Edvaldo
Dimas, 21, com a estudante Talita Portillo, 14. Passaram lá boa
parte dos três meses que estão
juntos. "Namorar em casa não
tem graça", explica ela.
O espaço é o favorito também
da auxiliar de limpeza Luciene
da Silva, que estava com quatro
crianças. Seus netos? "Deus me
livre! São meus filhos", responde ela, 38 anos. Os cabelos brancos e o rosto marcado mostram
a vida sofrida: ganha "quase R$
400" por mês para sustentar sete
filhos. À noite, faz a oitava série.
Levou os filhos ao teatro pela
primeira vez lá na escola.
O teatro tem 450 lugares e um
telão, é onde funciona também
o cinema. O apelo não é como o
da piscina. Enquanto havia fila
para o banho, a platéia de "Quase de Verdade" tinha menos de
20% dos lugares ocupados,
mesmo sendo grátis. Durante a
peça, alguns adolescentes diziam gracinhas para as atrizes,
universitárias de classe média.
"Deixa eu ir aí dormir com vocês", gritou um rapaz. "Achamos que seria mais difícil", diz
uma delas, Paula Weinfeld, 21,
filha do arquiteto Isay Weinfeld.
Parte dos 13 mil m2 do terreno
do CEU pertencia a uma das
principais equipes de futebol de
Guaianases, o Botafogo, fundado nos anos 50. O time cedeu a
área para a prefeitura em troca
de um campo do lado de fora.
Sorte dos ambulantes. Aproveitam para vender ali, já que dentro o comércio é proibido.
A primeira fase do projeto dos
CEUs prevê 21 unidades, todas
em áreas pobres. No orçamento
de 2004 estão previstos mais 24.
Cada um custa R$ 17 milhões.
Mas parece que pouco dinheiro
foi destinado a lixeiras, artigo
raro na escola e reclamação número um dos frequentadores.
"Depois a Marta vai chamar a
gente de porco", afirma a estudante Vanessa Moura, 13. A assessoria da prefeitura diz que as
lixeiras estão em licitação.
O nome da prefeita é um dos
mais citados, para o bem ou para o mal. "Não vou com a cara
dela", diz o comerciante Edson
Gomes, durante o jogo do Botafogo. "Não voto no PT, mas
agora vou votar na Marta",
completa Adonias Azevedo,
também torcedor. Há exceções,
como o ajudante-geral Jefferson
Pires, 20, que joga basquete no
CEU aos domingos e não sabe
quem é o prefeito de São Paulo.
"Tô por fora de política", diz e
sorri amarelo.
O sol se põe, a piscina fecha.
Esquenta o movimento na pista
de skate e nas quadras esportivas. O público, a maior parte jovens, quer ver e ser visto. "Aqui
elas não vêm para brincar", diz
o autônomo Herivelto Rodrigues, 22, com ar malicioso. Não
mesmo. "Eles não têm atitude,
não sabem chegar", se queixa a
estudante Priscila Ferreira, 17.
Priscila é uma das que circulam pela "passarela" do CEU.
Trata-se do espaço entre dois
campos de futebol. Enquanto os
rapazes vêem os jogos, as meninas se empinam e passam na
frente deles, como modelos
num desfile. "É o jogo da sedução", ensina a atendente Bruna
Amanda, 20.
Bruna caminhou meia hora de
sua casa, em outra região de
Guaianases, até a pista de skate.
O objetivo era encontrar o menino -o nome ela não diz-
com quem tinha ficado nas duas
semanas anteriores, mas não
deu certo. Tudo bem. "Domingo que vem tento de novo."
@ - bergamo@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA (interino)
COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME
DEBUTANTE
Doméstica vê "Domésticas"
A diarista Elisete Barbosa, 31,
fez sua estréia no cinema no dia
5, no CEU. Como espectadora.
Nunca tinha visto um filme na
telona. "Tive uma vida difícil."
E ainda tem: ganha R$ 35 por
dia de trabalho. Tem seis patroas, todas em bairros distantes
de Guaianases. São duas conduções e duas horas de viagem.
Viúva há 11 meses, cuida sozinha de três filhos e cursa o supletivo do ensino médio.
Elisete se identificou com as
personagens do filme que viu:
"Domésticas", de Fernando
Meirelles. Só discordou de uma
coisa. "Elas criticam demais as
patroas." Gostou da tela grande.
"Achei da hora."
NA PONTA DA LÍNGUA
Modinhas e boboguetes em paz
Gangueiros, modinhas e
boboguetes convivem em
harmonia no CEU. Bobo... o
quê? Boboguetes, equivalente local para "mauricinho" e
"patricinha". Como a vendedora Juliana dos Santos, 18,
barriguinha de fora, cabelo
preso, batom coral e sobrancelha feita. "Somos 100% femininas", explica ela.
Juliana não tem problema
em andar com amigas de outras tribos. A estudante Clisley Sodré, 15, é uma. Ela se
define como gangueira porque gosta de rap, rock e reggae. Um de seus ídolos é a
"rapeira" Negra Li. Entre as
boboguetes, o ícone é a apresentadora de TV Márcia
Goldschmidt. "Ela é linda e
grossa", diz a estudante Priscila Ferreira, 17.
E os modinhas? Segundo a
gangueira Clisley, "é quem
segue um estilo de vestir e
nem sabe a filosofia daquele
estilo. Tipo ramelão, sabe?".
Como? "Ramelão. É quem só
dá mancada. Um pipoca."
Pipoca? Ah, claro.
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