São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA

"Queridinha" apela para vícios de produções indies americanas

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Visto apenas do ponto de vista do conteúdo, "Queridinha" é mais um daqueles filmes que usam personagens excêntricos como um fim em si.
Nesta produção francesa, eles surgem aos montes. A começar pela personagem principal, Sybille. Ela tem 30 anos, no entanto, vive como se ainda fosse uma criança de uma timidez atroz. Mora com os pais, que a mimam constantemente, é virgem, veste-se como uma garotinha de oito anos, não tem amigos e faz diariamente o roteiro casa-trabalho-casa. No meio tempo, refugia-se no mundo de fantasias de livrinhos românticos baratos.
Jogar tipinhos bizarros na história é um hábito constante do cinema independente norte-americano, e "Queridinha" desemboca em outra figura arquetípica das telas: o forasteiro misterioso que transfigura a vidinha parada de um certo grupo de pessoas.
É em um trem, na volta para casa, enquanto sonha com um príncipe encantado, que os olhos de Sybille irão mirar Victor.
Vai com o moço para a cama e parece, enfim, tomar uma atitude que não seja ditada pela sombra dos pais.
Victor é o príncipe que vai resgatar a mulher perdida em Sybille. Pelos nossos olhos, vemos que ele não passa de um parasita que se instala na casa da família.

Humor negro
Anne Villacèque, diretora de documentários que faz aqui seu primeiro longa de ficção, retrata essa pequena fábula em tons sombrios repletos de humor negro. É como se fosse um documentário sobre uma família de classe média falida que busca um utópico mundo de harmonia. Esse retrato vai adquirindo ares claustrofóbicos -um filme de terror, em certo sentido.
Sybille, com sua expressão impassível e franjinha infantis, chega a lembrar o Chucky de "Brinquedo Assassino". Sabemos que não há problema nenhum em ter 30 anos e continuar morando com os pais -coisas da nova ordem econômica mundial etc.
O que perturba é a imagem de pesadelo criada por Villacèque. A "queridinha" acaba sendo apresentada como uma pessoa repugnante, até mais do que o reconhecido sem-caráter Victor. Ela não tem deficiências mentais ou físicas. Trata-se de alguém perfeitamente saudável, com potenciais, mas ao mesmo tempo uma pessoa estagnada, que não consegue realizar seus objetivos (ou melhor, nem os tem) e não desenvolve uma vida própria.
Reflete os medos da estagnação de uma sociedade que busca, a todo momento, fórmulas de felicidade e regras de vida (faça mais cursos, aprenda novos idiomas, tire mais diplomas, consiga uma promoção).
A diretora, no entanto, não consegue sustentar ou aprofundar esse clima promissor. Logo se perde em delírios kitsch de poucos efeitos, na base da pura caricatura. No final, apela para conceitos fáceis da psicanálise.
E, pior, apela para os vícios do tal cinema indie norte-americano. Apenas criar uma sensação de mal-estar não basta; há muito mais por trás de máscaras e estereótipos.


Queridinha
Petite Chérie
  
Direção: Anne Villacèque
Produção: França, 2002
Com: Corinne Debonnière, Jonathan Zaccaï, Laurence Février
Onde: em cartaz no Frei Caneca Unibanco Arteplex (r. Frei Caneca, 569, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/3472-2365)
Quanto: de R$ 11 a R$ 14



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Artes plásticas: Programa percorre cores de Beatriz Milhazes
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.