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CINEMA
"Queridinha" apela para vícios de produções indies americanas
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Visto apenas do ponto de
vista do conteúdo, "Queridinha" é mais um daqueles filmes
que usam personagens excêntricos como um fim em si.
Nesta produção francesa, eles
surgem aos montes. A começar
pela personagem principal, Sybille. Ela tem 30 anos, no entanto,
vive como se ainda fosse uma
criança de uma timidez atroz.
Mora com os pais, que a mimam
constantemente, é virgem, veste-se como uma garotinha de oito
anos, não tem amigos e faz diariamente o roteiro casa-trabalho-casa. No meio tempo, refugia-se no
mundo de fantasias de livrinhos
românticos baratos.
Jogar tipinhos bizarros na história é um hábito constante do cinema independente norte-americano, e "Queridinha" desemboca
em outra figura arquetípica das
telas: o forasteiro misterioso que
transfigura a vidinha parada de
um certo grupo de pessoas.
É em um trem, na volta para casa, enquanto sonha com um príncipe encantado, que os olhos de
Sybille irão mirar Victor.
Vai com o moço para a cama e
parece, enfim, tomar uma atitude
que não seja ditada pela sombra
dos pais.
Victor é o príncipe que vai resgatar a mulher perdida em Sybille.
Pelos nossos olhos, vemos que ele
não passa de um parasita que se
instala na casa da família.
Humor negro
Anne Villacèque, diretora de
documentários que faz aqui seu
primeiro longa de ficção, retrata
essa pequena fábula em tons sombrios repletos de humor negro. É
como se fosse um documentário
sobre uma família de classe média
falida que busca um utópico
mundo de harmonia. Esse retrato
vai adquirindo ares claustrofóbicos -um filme de terror, em certo sentido.
Sybille, com sua expressão impassível e franjinha infantis, chega
a lembrar o Chucky de "Brinquedo Assassino". Sabemos que não
há problema nenhum em ter 30
anos e continuar morando com
os pais -coisas da nova ordem
econômica mundial etc.
O que perturba é a imagem de
pesadelo criada por Villacèque. A
"queridinha" acaba sendo apresentada como uma pessoa repugnante, até mais do que o reconhecido sem-caráter Victor. Ela não
tem deficiências mentais ou físicas. Trata-se de alguém perfeitamente saudável, com potenciais,
mas ao mesmo tempo uma pessoa estagnada, que não consegue
realizar seus objetivos (ou melhor, nem os tem) e não desenvolve uma vida própria.
Reflete os medos da estagnação
de uma sociedade que busca, a todo momento, fórmulas de felicidade e regras de vida (faça mais
cursos, aprenda novos idiomas,
tire mais diplomas, consiga uma
promoção).
A diretora, no entanto, não consegue sustentar ou aprofundar esse clima promissor. Logo se perde
em delírios kitsch de poucos efeitos, na base da pura caricatura.
No final, apela para conceitos fáceis da psicanálise.
E, pior, apela para os vícios do
tal cinema indie norte-americano.
Apenas criar uma sensação de
mal-estar não basta; há muito
mais por trás de máscaras e estereótipos.
Queridinha
Petite Chérie
Direção: Anne Villacèque
Produção: França, 2002
Com: Corinne Debonnière, Jonathan
Zaccaï, Laurence Février
Onde: em cartaz no Frei Caneca
Unibanco Arteplex (r. Frei Caneca, 569,
Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/3472-2365)
Quanto: de R$ 11 a R$ 14
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