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Crítica/"Pintar ou Fazer Amor"
Franceses buscam perfeição em longa que se inspira em Renoir
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A alternativa posta entre
os dois termos do título
de "Pintar ou Fazer
Amor" não exclui nem um, nem
outro. Pois, no filme dos irmãos
franceses Jean-Marie e Arnaud
Larrieu, ambos estão sujeitos
ao predomínio da natureza.
É a natureza o que mais salta
aos olhos na história. Primeiro,
como espaço livre, onde a beleza não precisa estar codificada
para encantar. Depois, como
espetáculo das forças, em particular o desejo, que impõe sua
lei de atração a seres e corpos.
A proeza dos Larrieu é transformar um típico filme francês
de costumes, uma crônica leve
e gentil, num trabalho em que a
física e a metafísica não mais se
distinguem, em que transcendência e imanência passeiam
de mãos dadas.
O ponto de partida é um casal
de meia idade (Sabine Azéma e
Daniel Auteuil, irresistíveis),
que alcançou a estabilidade do
relacionamento e vê nisso mais
uma ameaça que um ganho.
Pintora amadora, em um dia
ela pratica seu hobby no campo, quando é abordada por um
homem. Ele lhe propõe conhecer uma casa, que a encanta.
Logo ela convence o marido a
deixarem os confortos urbanos
e se instalarem fora da cidade.
Com esse tom prosaico o filme avança de surpresa em surpresa. O cicerone é cego e reponde pelo nome Adam. Ele
tem uma companheira cujo nome é Eva. Tal referência, em
vez de ser mero exibicionismo
intelectual, é de fato uma escolha "naïf", um modo de reiterar
uma origem, que vai dominar
os qüiproquós sexuais nos
quais o casal urbano se envolverá na segunda parte do filme.
É como se o casal Azéma/Auteuil encontrasse neles um paradigma, nesse primeiro amor
de todos representados pelo
par Adão e Eva, antes que o pecado e o castigo divino caíssem
sobre suas cabeças.
Pintar é aproximar-se da natureza, buscar nela algum segredo, mas, sobretudo, comungar sua beleza. Fazer amor é
uma maneira ainda mais completa de se devolver à natureza,
deixar que ela imponha sua necessidade e seus ritmos.
O filme parte dessas duas formas de reencontro para alcançar de forma indireta aquilo
que está no seu centro: a natureza como epifania. Mas como
representar essa experiência
mágica no cinema, que sempre
impõe seus limites realistas,
sem precisar recorrer ao artifício e, assim, quebrar o encanto?
A inspiração mais direta é
Jean Renoir, em especial aquele dos sublimes "Une Partie de
Campagne" e "O Rio Sagrado",
onde a natureza não é apenas
registrada pela câmera, ela impregna a imagem graças a um
trabalho atencioso dado à luz.
E ela é um dos segredos "renoirianos" cuja lição os Larrieu
reproduzem com perfeição em
"Pintar ou Fazer Amor". A predominância da luz natural nas
cenas, capturada em sua atmosfera aérea, sem efeitos fotográficos, torna ainda mais
impressionante seu esforço de
buscar instantes perfeitos, sobretudo quando eles registram
a luminosidade do crepúsculo,
aquele momento em que luz e
sombra se conciliam da mesma
maneira que dois corpos na
união sexual.
Abrindo-se, pela luz, à impregnação do todo da natureza,
o cinema dos Larrieu ultrapassa o hedonismo para se lançar
no mistério cósmico.
PINTAR OU FAZER AMOR
Direção: Arnaud e Jean-Marie Larrieu
Produção: França, 2005
Com: Sabine Azéma, Daniel Auteuil
Quando: a partir de hoje no Reserva
Cultural e circuito
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