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NINA HORTA
Dando nome aos bois
Quem mexe muito com cozinha entende o martírio que é saber o nome certo das coisas
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NÃO SE enganem, é só um descanso. Mesmo que não estejam muito interessados em
ingredientes "tradicionais", tenho
que voltar a falar no assunto sempre.
Afinal, não é um modismo, e sim
uma necessidade.
Sou tão urbana quanto todo o resto, tão longe do campo como a maioria esmagadora. Quem me vê escrevendo sobre a ligação que é preciso
ter com o que comemos até pensa...
Fico me imaginando num banquinho ordenhando uma vaca, aquela
coisa enorme, suada (a vaca), e já começo a respirar pela boca, um bicho
que vem se afastando de mim há gerações, os mosquitos zumbindo em
torno, o rabo da bicha batendo de cá
para lá, o pêlo grosso, o medo de seu
coice, a estranheza...
Recebi um livro, que nem recomendando estou (ainda não testei
receitas), sobre o trabalho do príncipe Charles (o da Camilla Bowles):
"Duchy Originals Cookbook", de
Johnny Acton e Nick Sandler (ed.
KC). Além da vida tumultuada com
as mulheres, ele se esforça para ser
um grande ambientalista e acha que
o problema fundamental da cultura
do alimento foi este corte histórico
do elo entre o consumidor e a terra.
Espera que a indústria alimentícia e
a própria técnica avançada faça tudo
para consertar essa separação drástica. No fundo, quer fazer com que
todos se importem com o que comem e que sejamos capazes de
aproveitar o gosto dos alimentos e
suas propriedades e reclamar quando isto não acontece. De onde vem
esta batata, senhor feirante? Para
que serve? Fritura ou cozimento? É
nova, velha? (O interessante é que
eles sabem. Nós é que não perguntamos nem nos interessamos.)
O príncipe fundou uma companhia que tinha como objetivo promover a qualidade da comida dentro
dos princípios da agricultura sustentável. Começou modestamente
com um biscoitinho de aveia feito de
grão orgânico plantado na fazenda
dele. Hoje já foram desenvolvidos
mais de 200 produtos, leitõezinhos
redondos de pegar no colo, carneiros felpudos, frutas soberbas de estação, mel, perus gorgolejantes.
Outro livro que chegou às minhas
mãos é o oposto. Um livrinho de escola de culinária que prima pela singeleza, pela graça e, glória das glórias, traz o nome científico dos ingredientes dos quais trata e o nome
em mais de uma dezena de línguas.
Quem mexe muito com cozinha sabe o martírio que é saber o nome
certo das coisas. Pois a senhora Shizuko Yasumoto, japonesa radicada
no Brasil, professora de cozinha, se
preocupou com isso. O mais interessante do livro é essa nomeação, esse
batismo inusitado.
Yasumoto tem toda uma cultura
alimentar por trás dela e sempre
quis levar ao público as hortaliças e
plantas silvestres do Brasil. Por enquanto, conseguiu catalogar 40, mas
espera que os leitores atentos a ajudem a continuar o trabalho.
Dos livros, é o mais despretensioso. Tem receitas fáceis, ilustrações
realistas, como kabocha no harumaki (rolinhos primavera com recheio
de abóbora). Preocupa-se muito
com a semente da abóbora, com a
soja, tem aquela coisa de saúde, o
brócolis serve para isto; a alface, para aquilo, mas já mais para o fim do
livro se desinteressa um pouco da
parte medicinal, como se, de repente, tivesse atacada de preguiça. Mais
provável que tenha sido problema
de editora, e lá veio o corte.
Mas não importa. É um livro sui
generis, refrescante na sua pureza,
generoso, simpático, útil, fácil. Ingênuo, no meio desses coffee-table
books que se digladiam sobre as mesas para ver qual é mais brilhante e
bonito. (Sabem o que é Ninjin no sarada? Salada de cenoura. Gobô no
sarada? Salada de bardana.)
Vejo que pode ser comprado na
Livraria Fonomag (www.fonomag.com.br).
Recebi muitos livros novos, inclusive artigos acadêmicos e revistas, especialmente bons. Ficam para a próxima vez.
ninahorta@uol.com.br
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