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Última Moda
ALCINO LEITE NETO, em Paris - ultima.moda@folha.com.br
Ironias da Louis Vuitton
Coleção de Marc Jacobs para a grife francesa encerrou desfiles de Paris, expondo com humor as contradições do mundo da moda
Primeiro, entraram modelos
vestidas como enfermeiras.
Elas usavam aventais transparentes, feitos de gazard, e, no
lugar da máscara cirúrgica de
cor branca, portavam na boca
sensuais vendas negras de renda, como se fossem dominatrix
indo para uma festa libertina.
As modelos eram megatops,
como Naomi Campbell e Eva
Herzigova, convocadas para fazer uma abertura espetacular
no desfile da Louis Vuitton, no
dia de encerramento da semana de moda de Paris, no último
domingo. Na foto acima, elas
aparecem enfileiradas, segurando parte da cobiçada coleção de bolsas da marca.
O estilista da grife, Marc Jacobs, convidou o controverso
artista plástico Richard Prince
para desenhar as novas bolsas
da maison. Alguns dos motivos
utilizados por Prince nos acessórios, inspirados em cartazes
de filmes "x-rated", serviram
de cenário para o desfile, em
uma tenda ao lado do Louvre.
A idéia das enfermeiras também veio do trabalho do artista,
que tem uma série de pinturas
chamada "Nurses".
Pop, debochado, kitsch e com
referências das subculturas
pulp e pornô, o trabalho de
Prince é um dos mais interessantes da arte norte-americana
no momento -e não é à toa que
ele é tema de uma grande retrospectiva (em exposição até
janeiro) no museu Guggenheim de Nova York.
As roupas desenhadas por
Marc Jacobs para a Louis Vuitton também foram afetadas um
pouco pela obra de Prince. Em
Nova York, na coleção de sua
própria marca, o estilista abusou do confronto entre elegância e vulgaridade, fetichismo e
banalidade, expondo o underwear e a lingerie como parte
das peças principais.
A coleção que Jacobs desenhou para a Vuitton é mais
comportada, mas tem o mesmo
espírito de miscelânea e de
confronto, tudo regado por
muitas doses de ironia.
Ela é inteiramente baseada
em contrastes: entre o puritano
e o obsceno, o chique e o kitsch,
o pop e o nostálgico, a caretice e
o deboche, a parte mulher e a
parte homem, o lado madame e
o lado "belle de jour". A simples
presença de Catherine Deneuve na platéia do desfile ajudou a
iluminá-lo, se pensarmos segundo a lógica do gosto francês.
Da mesma maneira, as cores
entram em contrastes gritantes, nas peças principais e nas
luvas, leggings e cintos: roxo
com pastel, rosa com preto,
vermelho com laranja etc.
A silhueta também arma paradoxos: justa e/ou vaporosa,
clássica e/ou atual, estruturada
e/ou desconstruída, por vezes
cobrindo todo o corpo, outras
vezes permitindo recortes super provocadores.
O estilo é forte, mas indefinido, deixa uma sensação de um
certo "déjà vu" e, ao mesmo
tempo, de novidade, parece banal e extremamente sofisticado, tem uma força criativa e
uma cara supercomercial.
Ainda mais com a quantidade
de (belas) bolsas Louis Vuitton
que surgiram na passarela. Parecia que as roupas eram apenas suporte para a exibição dos
acessórios, que, aliás, são muito
mais rentáveis para as grifes.
Jacobs não tem pudores em
exibir esta realidade do mercado de moda -e várias outras de
suas contradições.
Esta temporada da primavera-verão 2008 deverá ser lembrada por suas roupas alegres,
coloridas, confortavelmente
elegantes, e pelo uso de técnicas cada vez mais complexas e
de acabamentos que beiram o
extremo da sofisticação.
Mas também poderá ser lembrada pela crise de inventividade que atinge os estilistas, encurralados entre as exigências mercantis das marcas, o aspecto cada vez mais secundário das
roupas para as corporações e a
dificuldade da moda atual de
fugir de seus próprios clichês.
Exibir com humor e derrisão
as contradições do mundo fashion foi o segredo das duas coleções de Marc Jacobs, para a
sua própria grife e para a Vuitton. Por isso mesmo, ele marcou de maneira tão forte a temporada primavera-verão 2008.
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