São Paulo, sexta-feira, 12 de outubro de 2007

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Última Moda

ALCINO LEITE NETO, em Paris - ultima.moda@folha.com.br

Ironias da Louis Vuitton

Coleção de Marc Jacobs para a grife francesa encerrou desfiles de Paris, expondo com humor as contradições do mundo da moda

Primeiro, entraram modelos vestidas como enfermeiras. Elas usavam aventais transparentes, feitos de gazard, e, no lugar da máscara cirúrgica de cor branca, portavam na boca sensuais vendas negras de renda, como se fossem dominatrix indo para uma festa libertina.
As modelos eram megatops, como Naomi Campbell e Eva Herzigova, convocadas para fazer uma abertura espetacular no desfile da Louis Vuitton, no dia de encerramento da semana de moda de Paris, no último domingo. Na foto acima, elas aparecem enfileiradas, segurando parte da cobiçada coleção de bolsas da marca.
O estilista da grife, Marc Jacobs, convidou o controverso artista plástico Richard Prince para desenhar as novas bolsas da maison. Alguns dos motivos utilizados por Prince nos acessórios, inspirados em cartazes de filmes "x-rated", serviram de cenário para o desfile, em uma tenda ao lado do Louvre.
A idéia das enfermeiras também veio do trabalho do artista, que tem uma série de pinturas chamada "Nurses".
Pop, debochado, kitsch e com referências das subculturas pulp e pornô, o trabalho de Prince é um dos mais interessantes da arte norte-americana no momento -e não é à toa que ele é tema de uma grande retrospectiva (em exposição até janeiro) no museu Guggenheim de Nova York.
As roupas desenhadas por Marc Jacobs para a Louis Vuitton também foram afetadas um pouco pela obra de Prince. Em Nova York, na coleção de sua própria marca, o estilista abusou do confronto entre elegância e vulgaridade, fetichismo e banalidade, expondo o underwear e a lingerie como parte das peças principais.
A coleção que Jacobs desenhou para a Vuitton é mais comportada, mas tem o mesmo espírito de miscelânea e de confronto, tudo regado por muitas doses de ironia.
Ela é inteiramente baseada em contrastes: entre o puritano e o obsceno, o chique e o kitsch, o pop e o nostálgico, a caretice e o deboche, a parte mulher e a parte homem, o lado madame e o lado "belle de jour". A simples presença de Catherine Deneuve na platéia do desfile ajudou a iluminá-lo, se pensarmos segundo a lógica do gosto francês.
Da mesma maneira, as cores entram em contrastes gritantes, nas peças principais e nas luvas, leggings e cintos: roxo com pastel, rosa com preto, vermelho com laranja etc.
A silhueta também arma paradoxos: justa e/ou vaporosa, clássica e/ou atual, estruturada e/ou desconstruída, por vezes cobrindo todo o corpo, outras vezes permitindo recortes super provocadores.
O estilo é forte, mas indefinido, deixa uma sensação de um certo "déjà vu" e, ao mesmo tempo, de novidade, parece banal e extremamente sofisticado, tem uma força criativa e uma cara supercomercial.
Ainda mais com a quantidade de (belas) bolsas Louis Vuitton que surgiram na passarela. Parecia que as roupas eram apenas suporte para a exibição dos acessórios, que, aliás, são muito mais rentáveis para as grifes.
Jacobs não tem pudores em exibir esta realidade do mercado de moda -e várias outras de suas contradições.
Esta temporada da primavera-verão 2008 deverá ser lembrada por suas roupas alegres, coloridas, confortavelmente elegantes, e pelo uso de técnicas cada vez mais complexas e de acabamentos que beiram o extremo da sofisticação.
Mas também poderá ser lembrada pela crise de inventividade que atinge os estilistas, encurralados entre as exigências mercantis das marcas, o aspecto cada vez mais secundário das roupas para as corporações e a dificuldade da moda atual de fugir de seus próprios clichês.
Exibir com humor e derrisão as contradições do mundo fashion foi o segredo das duas coleções de Marc Jacobs, para a sua própria grife e para a Vuitton. Por isso mesmo, ele marcou de maneira tão forte a temporada primavera-verão 2008.


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