São Paulo, terça-feira, 12 de outubro de 2010

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"Pichações também são literatura"

Eduardo Galeano afirma que formas alternativas de comunicação fazem ressurgir "paradoxos interessantes"

Escritor uruguaio defende jornalismo que dê voz às diversidades e contesta imagem de Chávez como "vilão"

OSCAR GUTIÉRREZ
DO "EL PAÍS"

O relógio de Eduardo Galeano ainda marca a hora da capital uruguaia, se bem que o ruído que se infiltra pela janela provenha da Puerta del Sol. "Perdoe-me se disser bobagens. É o jet lag".
As cinco horas de fuso que separam Madri de Montevidéu de forma alguma prejudicam suas palavras. O escritor visitou a Espanha para participar da Semana de Cooperação, organizada pela Aecid (Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento) e pela agência Inter Press Service, e aproveitou a ocasião para "um vislumbre do mundo moderno, um mundo invertido".

Pergunta - Vargas Llosa escreveu que ainda se considera jornalista. E o senhor? Eduardo Galeano - Também, mas existe uma tradição que vê o jornalismo como algo exercido nos porões da literatura, enquanto no ponto mais alto estaria a criação de um livro. Não aceito essa divisão de classes. Creio que toda mensagem escrita seja parte da literatura, o que inclui as pichações.

Há muito não se ouve dizer que a imprensa é o quarto poder. Caímos um degrau? Não. Surgiram formas de comunicação que fazem ressurgir a confiança em que esse mundo invertido seja um centro de paradoxos interessantes. Multiplicaram-se as vozes antes não escutadas porque lhes faltavam veículos. O desenvolvimento de formas alternativas de comunicação contribuiu.

O jornalista hoje tem menos compromissos ideológicos? Qualquer forma de apoio à diversidade das vozes humanas me parece estimulante, tenha a forma que tiver e com qualquer etiqueta que receba. Creio na diversidade da condição humana.

Na Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador, os governos andam às turras com os meios de comunicação. As generalizações correspondem a uma visão de nossa realidade, a latino-americana ou meridional, que o Norte tem. Os fracos, a cada vez que tentam se expressar ou caminhar por conta própria, são vistos como perigosos. No hemisfério norte, o patriotismo é legítimo; no sul, se converte em populismo ou terrorismo.

O presidente venezuelano Hugo Chávez é um dos que andam irritados com a imprensa. O senhor tem um veredicto sobre ele? Chávez vem sendo demonizado. Antes, Cuba era a vilã do filme; agora, nem tanto. Mas é sempre preciso que haja um vilão. Se não houver gente perigosa, como justificar os gastos militares? O mundo precisa se defender. O mundo tem uma economia de guerra em funcionamento e precisa de inimigos. Se estes não existem, eles são fabricados.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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