São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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Um dos pais do "new journalism", autor é tema de 2 filmes e tem 4 livros lançados, um inédito

O ano capote

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

O "new journalism", novo jornalismo ou jornalismo literário, movimento que surgiu nos EUA nos anos 60 e primeiro aplicou técnicas de narrativa literária em textos para a imprensa, tem mais autoproclamados fundadores do que o Partido dos Trabalhadores.
Mas, se existe um nome que estava mesmo lá, bem na foto, junto da companheirada norte-americana, é o do esquisitão Truman Capote. Esquisitão, não: esquisitinho, ele não media nem 1,60 m. Autor de um dos livros mais importantes do gênero, "A Sangue Frio" (1966), Capote morreu em 1984, prestes a completar 60.
Estivesse vivo, estaria feliz, pavão que era. O escritor e jornalista é tema de duas cinebiografias, teve pela primeira vez todos os contos reunidos num livro, mais um volume só de cartas, ganha no Brasil uma reedição caprichada de sua principal ficção, "Bonequinha de Luxo", e, nos EUA, o lançamento de seu primeiro romance, até então perdido.
Nas telas, "Capote", atualmente em cartaz nos Estados Unidos e com previsão para estrear no final de janeiro no Brasil, já é um dos favoritos ao Oscar 2006. Dirigido pelo estreante Bennett Miller, traz Philip Seymour Hoffman no papel principal e foca no período que daria em "A Sangue Frio".
Era 1959, e o jornalista, então trabalhando na revista "New Yorker", viu uma notícia escondida nas páginas internas do jornal "The New York Times". Herbert W. Clutter, sua mulher e seus dois filhos, da cidadezinha de Holcomb, no Kansas, tinham sido assassinados. Enxergou ali uma boa história, convenceu seu editor e passou o próximo ano e meio lá.
Ao colocar o ponto final na série de reportagens que mostraram ao resto do país um crime bárbaro cometido por dois homens, tinha inventado o que chamou de "romance sem ficção", em que o narrador presume pensamentos e intenções de personagens reais, baseado em conversas e anotações.
"É um marco importante do novo jornalismo, embora, se você quiser ser rigoroso historicamente, experiências nesse sentido já eram feitas em tempos tão distantes quanto o século 17, por Daniel Defoe, de "Robinson Crusoe", que também era jornalista", disse à Folha James Bettinger, titular da cadeira de jornalismo literário da Universidade Stanford.
"Ao mesmo tempo que é um marco importante, porém, "Sangue Frio" teve algumas de suas técnicas questionadas, como se sabe", disse ele. "Mesmo assim, influenciou muitos escritores, e é uma pena que Capote nunca tenha terminado outro livro."
Bettinger assistiu a "Capote", o filme, e acha que o retrato que Hoffman faz do jornalista é "fantástico", mas que o filme como um todo não é tão bom. Douglas McGrath gostaria de ouvir esta frase. Ele é o diretor de "Have You Heard?", outra cinebiografia de Capote que narra o mesmo momento da vida do escritor, mas que teve de ser adiada para 2006, por conta da concorrência.
Intrigas, disputas, competição. Tudo isso faria os olhos de Capote brilhar: fofoqueiro, mesmo vindo do sul sem dinheiro nem tradição e sendo abertamente homossexual numa época conservadora, ele conseguiu entrar e ser aceito pela high-society nova-iorquina, a qual tinha orgulho de "trabalhar" a seu favor e sobre a qual escrevia como ninguém.
É do período de ascensão profissional e social pré-"A Sangue Frio" que saiu da pena de Capote "Bonequinha de Luxo" (1958), que a Companhia das Letras relança agora no Brasil, em edição com outros três contos.
Nos EUA, outros lançamentos literários acompanham o "Ano Capote". "Too Brief a Treat - The Letters of Truman Capote" (uma ameaça muito breve - as cartas de Truman Capote) reúne grande parte da correspondência com celebridades amigas, que depois lhe virariam os rostos, quando Capote ameaçou escrever um livro com "tudo o que sabia" sobre elas.
Pela mesma editora, Random House, chega "The Complete Stories of Truman Capote" (os contos completos), de título auto-explicativo, que incluem o inédito "The Bargain" (a barganha), encontrado em 2004. Inédito também e com previsão de lançamento para este mês é o primeiro romance do autor, "Summer Crossing" (travessia do verão), de 1943, sobre uma jovem socialite abandonada numa cobertura.


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