São Paulo, domingo, 12 de novembro de 2006

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Mônica Bergamo

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Ouro à la carte

João Sal/Folha Imagem
À esquerda, trufas brancas: a iguaria é importada da Europa e servida nos restaurantes da capital de outubro a dezembro


Vendidas a R$ 20 mil o quilo, as trufas brancas são as estrelas da temporada em restaurantes finos de São Paulo

Acompanhado de um caçador e um cão adestrado, o chef Roberto Ravioli passou o sábado retrasado percorrendo um bosque da Toscana. O alvo da caça eram trufas brancas, o raríssimo cogumelo subterrâneo encontrado em poucas regiões da Europa e, não por acaso, chamadas de "pepitas": são vendidas a até R$ 20 mil o quilo, valor semelhante ao do ouro.
 

A dupla encontrou uma região de castanheiras e carvalhos, onde soltou o cachorro. "Ficamos parados, esperando o sinal", lembra Ravioli, referindo-se ao toque do sininho que o cão carregava preso à coleira. "Quando ele encontra a trufa, começa a cavar sem parar, e o sino no pescoço balança. Trim, trim, trim!" Em uma hora de caçada, a equipe encontrou 250 gramas da iguaria.
 

De volta a SP, o chef serviu em seu restaurante, o Ravioli Cucina Casalinga, todo o produto da caça em apenas dois dias. Um prato de massa ou risoto com cerca de 20 gramas das finíssimas lâminas de trufas brancas sai por R$ 180. "Logo vou ter que voltar pra lá [à Itália] para buscar mais." Já Alessandro Segato, dono do La Risotteria Alessandro Segato, que passou a última semana num castelo em Florença para a caçada, não traz as trufas que encontra pessoalmente para seu restaurante, nos Jardins. Prepara um banquete com a família na Itália. "Caço por paixão, por tradição familiar", diz. Segato, que importa trufas para servir no Brasil, começou a caçar aos três anos, acompanhado do pai, e hoje repete a história com seu filho, Lorenzo, 4. "O bosque é cheio de perfumes. O cão corre, o caçador gesticula. Há uma intimidade silenciosa, como numa história de aventura."
 

Fora do bosque, no restaurante, a "aventura" custa R$ 320 -preço que Segato cobra por qualquer prato com trufa branca. Para importar cerca de 1,5 kg a cada 15 dias, ele espera baixar a cotação da Feira de Alba, na Itália, um importante ponto de venda de trufas. Lá, o preço vai de 3.500 (R$ 10 mil) a 7.000 (R$ 20 mil).
 

"Não acho absurdo. É claro que, com um quilo de trufa, é possível fazer 30 criancinhas brasileiras irem à escola. Mas estamos falando de um mundo paralelo. Não tem mulher que paga R$ 5.000 por um par de sapatos de grife? Então, a trufa é a grife da cozinha."
 

No Piselli, onde a temporada dura cinco dias, os pratos chegam a custar R$ 250. E há ainda o menu degustação: sem bebida, com uma entrada e dois pratos, sai por R$ 450; com vinho tinto Barolo, da Itália, por R$ 650. "A aristocracia paulistana está sempre disposta a pagar. Aliás, o preço é a última preocupação desses clientes", conta o gerente Ciro Aidar.
 

O economista suíço Andreas Sprecher, que está no Brasil há dois anos, também não se incomoda. No restaurante Chakras, nos Jardins, gastou R$ 166 num prato de papardelle com aspargos selvagens e oito gramas de lâminas de trufa, para comemorar seu aniversário. "Tem que ser uma data especial. Não dá para gastar R$ 166 num prato todos os dias, não é?"
 

Para o restaurateur Rogério Fasano, "apreciar uma trufa é um momento sublime". Ele conta que, nas temporadas em que serve a iguaria, de outubro a dezembro, o movimento aumenta de 15% a 20%. "Trufa branca e caviar são os dois grandes produtos da gastronomia. Mas a trufa é ainda mais particular, porque é mais rara."
 

Há trufas de primeira, segunda e terceira linha. "Compro as maiores, que são as mais caras do importador." Nem sempre foi assim. Rogério já chegou a trazer a iguaria na mala, de volta da Itália. "Sempre corria aquele risquinho de ser pego na alfândega. Um dia me dei mal. Fui parado [no aeroporto de Guarulhos], mas consegui fugir com elas na mala. Eram só dois quilos." Hoje, o Fasano importa cinco quilos por semana.
 

Lamberto Percussi, da Vinheria Percussi, em Pinheiros, não importa e não participa das caçadas, mas já improvisa sua temporada de trufas: ganhou de um amigo 125 gramas do produto e serve dois gramas por prato no restaurante.
 

"Pode até ser modismo, mas a verdade é que cada vez mais gente se interessa por produtos sofisticados", diz ele. "Azeite de oliva, vinhos, massas de grano duro... Estão entrando com força na pirâmide alimentar do brasileiro. E a trufa também", afirma. "Claro que no topo [da pirâmide], mas "tá" entrando."
 

"O aroma lembra gás de cozinha com alho", diz o chef Mauro Maria, do Supra, no Itaim Bibi. Seu irmão chegou quinta-feira da Itália com um quilo de trufas, que já estão no cardápio do restaurante. "Quem come é quem tem condição de pagar."
 

A chef Silvana Piran, dona do Vicolo Nostro, no Brooklin, procura justamente o público que não quer gastar demais. Em seu restaurante, o único prato em que a trufa aparece, sob a forma de azeite aromatizado, custa R$ 42. "Não vou colocar um prato com umas lasquinhas a R$ 300." Para Silvana, quem paga isso são os "gourmands": "pessoas que acham que apreciar uma boa comida é moda".
 

No Fasano, os pratos com trufas - entre R$ 260 e R$ 380- são acompanhados de ingredientes simples. "Na massa, só ovo de galinha caipira e farinha. Nada pode se sobressair à trufa", diz o chef Salvatore Loi, cuja receita preferida é torrada coberta com ovo frito e finíssimas lâminas de trufas (R$ 260).
 

O chef continua: "Se o prato é caro demais? Só pra você entender: uma vez, as trufas chegaram à meia-noite no aeroporto e tínhamos cinco mesas à espera delas. Só saíram daqui às 3h, depois de pedir vários pratos. Entendeu o nível?"


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