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Comentário
Suba era diferente de todos os outros
MARINA LIMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Posso dizer que o Suba foi um
divisor de águas nesta minha
história com a música. Até então, tendo passado por algumas
escolas diferentes de produtores musicais, havia optado por
me enquadrar na escola "apolínea" do produtor Liminha.
Sou virginiana: gosto quando
a ordem se impõe ao inesperado, e com o Liminha era assim.
E para mim era extasiante ver
alguém tão esteta quanto eu.
Suba me deu o contrário, o
outro lado da moeda. Foi como
entrar no mar num dia de ressaca -para mim, absolutamente irresistível (já fui salva algumas vezes, por não resistir a
cair no mar em dias assim).
Suba ficava irritado com as
minhas escalas no tempo. Um
jeito caxias que tenho de treinar, treinar e repetir, repetir,
como um músico de orquestra
que busca o domínio de seu instrumento. Suba queria mais o
acaso. Ele, pianista iugoslavo
que veio ao Brasil atrás de música de candomblé, não tinha
medo dos choques.
Começamos a coproduzir o
meu álbum "Pierrot do Brasil"
em 1998; teve uma prévia de
dois meses em minha casa na
Lagoa e fomos para o estúdio.
Ele era diferente de todos os
músicos com quem eu havia
trabalhado e me repetia sistematicamente: "Marina, você
não parece uma brasileira".
Pelo conhecimento que tinha
de música (suas passagens por
várias escolas europeias), pelo
fascínio que o Brasil exercia sobre ele e pela admiração e respeito que mostrou ter com a
minha música, eu mudei.
Deixei o acaso entrar, comecei a gostar das "sujeiras" que
ele propunha para as minhas
peças tão bem acabadas. Criamos um disco e nos tornamos
grandes amigos. Saíamos para
beber, para comprar canivetes,
compor; fazíamos coisas que só
nós dois entendíamos. E ríamos muito. De cair.
Suba foi um produtor muito
importante para o Brasil. Os
trabalhos que realizou aqui,
com músicos e bandas que estavam em busca de outras sonoridades, são maravilhosos.
Volta e meia ele me mostrava
o que vinha fazendo com João
Parahyba, Mestre Ambrósio,
Bebel Gilberto. Tudo me soava
vivo, inteligente.
Lembro de uma matéria que
a Folha deu em que ele contava
suas diferentes impressões dos
músicos brasileiros, com quem
vinha trabalhando. Quando o
repórter perguntou "e a Marina, como foi trabalhar com
ela?", Suba respondeu: "Ah, a
Marina é Gucci, é alta-costura".
Ri muito.
Sinto muita falta dele. E sei
que, se estivesse vivo, estaríamos fazendo o diabo juntos.
MARINA LIMA é cantora e compositora
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