São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

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ARTES PLÁSTICAS

Galeria Brito Cimino apresenta maior conjunto da última série realizada pelo artista entre 1986 e 1998

"Sobras" de Geraldo de Barros pulsam em SP

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Como transformar uma imagem quadrada em uma forma retangular? Durante toda sua vida, o artista Geraldo de Barros (1923 -1998) fotografou com uma câmara Rolleyflex, no típico formato 6x6. Em sua última série, iniciada em 1986 e denominada "Sobras", Barros utilizou-se de seu arquivo de fotografias, recortando-as, criando sobreposições e novos fundos que, no final, se transformaram em fotografias com formato retangular.
É a partir desse procedimento, que o curador Rubens Fernandes Junior deu nome à retrospectiva de Barros, "A(s)simetrias", que é aberta hoje à noite na galeria Brito Cimino, em São Paulo.
"Ele estava sempre nessa tensão do assimétrico dentro do formato simétrico e, por isso, "Sobras" pode ser vista como a síntese de sua carreira", conta o curador.
Recentemente, o trabalho de Barros conquistou importante respaldo internacional, já que duas imagens de sua série "Fotoformas" foram adquiridas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA.
Para Fernandes Junior, a exposição em São Paulo tem como "grande homenageada" a última série do artista -das 380 "Sobras" que realizou, 93 estão expostas na galeria -, mas como forma de contextualizar sua produção, o curador apresenta uma seleção de obras que tem início com seus primeiros trabalhos figurativos, no final dos anos 40.
Com isso, no mezanino da galeria estão os primeiros trabalhos, divididos em duas seções: "Auto-Retratos" e "Outros Retratos", que incluem desde telas figurativas, do início de sua formação como pintor, a retratos que o artista realizou ao longo de sua carreira, muitos deles experimentais e com caráter performático.
Nessas imagens podem ser observadas várias influências e marcas de seu trabalho, como o surrealismo de Man Ray, em "Auto-Retrato com Luz", uma das imagens adquiridas pelo MoMA, e a arte concreta, movimento no qual foi uma das figuras chaves no país, com a série realizada a partir de poemas de Augusto de Campos dedicados aos pintores concretos. Ainda no mezanino é exibido o filme "Geraldo de Barros -Sombras em Obras", de 1998, dirigido por Michel Favre.

Modernidade
É no térreo da galeria, entretanto, que a obra de Barros pode ser melhor apreciada, já que aí estão trabalhos de suas séries "Fotoformas" e "Sobras", ao lado de trabalhos construtivos dos anos 50.
"A maioria desses trabalhos são imagens que ninguém conhece, e por isso apresentamos junto com obras realizadas ao longo de sua carreira, para mostrar que, por trás dessa última série, há algo autoral, afinal, em toda sua carreira, há um mesmo pulsar", afirma o curador.
Nesse piso, as obras estão dispostas em três níveis. No mais alto, os trabalhos construtivos realizados em madeira e fórmica; no segundo plano as "Fotoformas", dos anos 40 e 50, e, no nível dos visitantes, as "Sobras".
Para o curador, as "Fotoformas" representam "o primeiro momento de rompimento com a convenção fotográfica no Brasil, já que o artista riscava os negativos para criar neles novas imagens". A partir da foto de um sapato, por exemplo, ele criava o rosto de uma garota. "Ele dessacralizou o negativo, que era intocável, trazendo uma modernidade tardia ao país", diz ainda.
Sofrendo de isquemia, Barros não conseguia mais manipular a câmara fotográfica, o que o levou à última fase em seu trabalho, a partir de 1986.
"Para realizar as "Sobras", ele fez um rapa de tudo que estava disponível, é o resumo de uma vida", diz sua filha e artista Lenora de Barros.
Nas "Sobras", Barros realiza um processo de colagem com negativos, positivos, ou seja, fotos já ampliadas, recortando tais suportes, muitas vezes criando fundos escuros, novos planos na imagem fotográfica. "Minha impressão sobre essa série é de um trabalho muito melancólico, especialmente com as ausências que ele cria através dos escuros", conta Fernandes Junior.
Também no térreo, há o que o curador denomina "Sala de Processo", onde é apresentada, em uma vitrine, a maneira como o artista criava as "Sobras". No encerramento da mostra, em fevereiro do próximo ano, será lançando um livro sobre o artista, com texto do curador e editado pela Cosacnaify.
Primeira grande mostra após sua morte, "A(s)simetrias" coloca Barros como um artista surgido no modernismo, mas extremamente integrado aos processos de criação contemporâneos. "Ele produz uma fotografia que parece querer mostrar aquilo que não está nas coisas visíveis do cotidiano mas, que, ao mesmo tempo, mostra-se obcecada com a luz, que em vez de clarear, ofusca, esconde, impossibilita a visão imediata. Uma reinvenção permanente que se materializa nas características próprias da fotografia", afirma Fernandes Junior.


Geraldo de Barros - A(s)simetrias
Quando:
abertura hoje, às 19h; de ter. a sex., das 11h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 4/2
Onde: galeria Brito Cimino (r. Gomes de Carvalho, 842, SP, tel. 0/xx/11/3842-0634)
Quanto: entrada franca; obras de R$ 3.000 a R$ 30 mil


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