São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

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ERUDITO/CRÍTICA

Gil Jardim recria concerto dedicado a Villa-Lobos na Paris de 1924

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Finalmente chega ao CD aquela que talvez seja a mais representativa obra de câmera de Villa-Lobos. O "Nonetto" é o grande destaque de "Villa-Lobos em Paris Pensées d'Enfant", álbum no qual o maestro Gil Jardim recria o concerto inteiramente dedicado ao compositor brasileiro que teve lugar na capital francesa, em 30 de maio de 1924.
Subvencionado por mecenas do Rio e de São Paulo, Villa-Lobos parte para a França em 30 de junho de 1923, e tem sua música divulgada, entre outros, por um dos maiores pianistas da época, Arthur Rubinstein (1887-1983), e pela cantora Vera Janacópulos (1896-1955). Gerard Béhague assinala que a reação do público no concerto de 1924 foi mista; contudo, a crítica reagiu bem, como mostra a resenha de época reproduzida no CD, em que o articulista de "La Revue Musicale" que esteve presente à apresentação louva "o talento e a faculdade de invenção" do compositor, impressionando-se com "tamanha impetuosidade, tamanho poder, tamanha abundância".
Esse Villa-Lobos que chega à Europa, logo depois da Semana de 22, tem em sua sintaxe musical uma retórica inegavelmente "modernista", presumivelmente influenciada pela "selvageria" da "Sagração da Primavera", que o russo Igor Stravinski (1882-1971), não por acaso, fizera estrear em Paris.
É tempo de valorizar "exotismos", e Villa-Lobos pesquisa formações instrumentais inusitadas, como no etéreo "Quatuor", ou "Quarteto Simbólico", que abre o disco -uma encantadora combinação entre flauta, saxofone alto, harpa e celesta, à qual se junta, no segundo movimento, o coro feminino, com uma atmosfera onírica que recorda os noturnos de Claude Debussy (1862-1918).
Segue-se o item mais conhecido -a "Prole do Bebê nš 1", na qual o pianista Nahim Marun tem a difícil tarefa de enfrentar a competição de gravações de astros consagrados, como Arthur Rubinstein e Nelson Freire. E o faz com a mesma elegância desempenhada para acompanhar a soprano Cláudia Riccitelli nos breves e experimentais "Epigramas Irônicos e Sentimentais", sobre texto de Ronald de Carvalho, bem como no "lied" de três personagens (uma espécie de "Erlkönig" tropical) "Pensées d'Enfant".
Mas o grande destaque é o "Nonetto", ou "Impressão Rápida de Todo o Brasil", que vinha circulando em LP, mas ainda não merecera gravação digital. Flauta, oboé, clarinete, fagote, saxofone, harpa, celesta, piano e três percussionistas se unem ao coro misto em uma obra telúrica, com efeitos antecipando algumas das peças mais interessantes do compositor na série dos "Choros" (como os "Choros nš 3" e os "Choros nš 10") e, simultaneamente, ecoando o caleidoscópio bailado "L'Homme et son Désir", no qual o compositor francês Darius Milhaud (1892-1974), que morou no Brasil durante a Primeira Guerra, faz um painel da vida nos trópicos, incluindo citação do tema folclórico "O Meu Boi Morreu".
No melhor espírito de sua frase "o folclore sou eu", Villa-Lobos, no "Nonetto", cria um clima afro-brasileiro imaginário, colocando o coro a entoar palavras inventadas, como "zango", "zizambango" e "dangozangorangotango".
No aspecto sonoro, o disco é impecável, enquanto, no artístico, Gil Jardim comanda um time de bom valor, com nomes como Toninho Carrasqueira (flauta), Sergio Burgani (clarinete), Paulo Braga (piano) e Eduardo Gianesella (percussão), entre outros.
Villa-Lobos em Paris Pensées d'Enfant
    
Direção musical e regência: Gil Jardim Produção: Philharmonia Brasileira Onde encontrar: Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (av. Nações Unidas, 4.777, tel. 0/xx/11/3024-3599) Quanto: R$ 41,85



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