São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O DESFILE DO AMOR"

Sergio Pitol mescla mistério e história do México

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O edifício, do século 19, é faustoso e decadente, revelando um passado de glamour. Nesse prédio lúgubre vivem famílias que se odeiam, em uma complexa rede de intrigas. De repente, há um crime: um homem é morto depois de uma festa em um dos apartamentos. A lista de suspeitos é grande, e a trama de mistério, genealogicamente intrincada.
Parece um cenário montado pela inglesa Agatha Christie (1890-1976) em uma de suas célebres novelas de suspense. Mas, apesar da estrutura policialesca, a descrição é a da trama de um romance histórico latino-americano.
Trata-se de "O Desfile do Amor", do mexicano Sergio Pitol. O livro foi lançado originalmente em 1984, mas só agora está disponível em português no Brasil, lançado pela Mandarim. Chance rara de conhecer um pouco da obra de Pitol, 68, vencedor do Prêmio Juan Rulfo de 1999, um dos mais importantes da América Latina.
"O Desfile do Amor" acompanha Miguel del Solar, um historiador mexicano radicado na Inglaterra, que retorna ao seu país 30 anos depois de abandoná-lo. Ao chegar à Cidade do México, depara-se com um segredo que pode ser a chave para suas inquietações sobre o passado mexicano.
Esse mistério é justamente o crime ocorrido no velho edifício Minerva, em 1942. Miguel tinha, na época, apenas 10 anos e vivia no apartamento vizinho ao do episódio. O homem abatido a tiros era um jovem austríaco, enteado do irmão de sua tia -obedecendo à complicada estrutura familiar que ancora o enredo.
O que o crime tem de interessante para Miguel é o fato de revelar detalhes sobre o comportamento da sociedade mexicana da época. Na festa, promovida por uma vaidosa dona de galeria de arte, encontravam-se representantes da elite, artistas, escritores, políticos, jornalistas e outros.
No início dos anos 40, o México entrou na Segunda Guerra ao lado dos EUA e havia um consenso sobre a necessidade de um discurso comum de unidade nacional. Isso provocava acalorados debates no seio da elite tradicional, que via no momento de transformação uma ameaça à sua supremacia econômica e política. Formava-se uma nova sociedade, que convivia com famílias européias recém-chegadas, fugindo do conflito em seu continente.
Miguel é tomado por um impulso detetivesco, que o faz abandonar seu interesse pelos anos que sucederam a Revolução Mexicana (1910) e voltar-se à coleta de depoimentos dos sobreviventes da festa do edifício Minerva, em 42.
Para Miguel, elucidar as razões do assassinato do austríaco era solucionar um drama de sua família e, ao mesmo tempo, uma chance de entender as transformações pelas quais a sociedade mexicana passou no período.
O romance é estruturado sobre longos depoimentos e sobre a exaustiva descrição das salas e quartos em que acontecem. Verborrágico, Pitol reflete a claustrofobia dos espaços que o historiador Miguel percorre. A narrativa é entremeada pela febril linha de raciocínio do personagem.
Fã de crônicas de viagem, literatura russa e novelas policiais, Pitol criou um universo próprio para sua literatura. Em sua prosa original, cabem tanto a crônica histórica como o suspense. O realismo fantástico latino-americano também aparece, ainda que contido, na construção dos personagens.


O Desfile do Amor
El Desfile del Amor
   
Autor: Sergio Pitol
Tradução: Regina Aída Crespo e Rodolfo Mata
Editora: Mandarim
Quanto: R$ 29,50 (246 págs.)




Texto Anterior: Livros/lançamentos: Marilene Felinto descreve em crônicas de jornal a crueza da guerra cotidiana
Próximo Texto: Resenha da Semana - Bernardo Carvalho: A morte do autor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.