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CINEMA/CRÍTICA
Filme revive a história de um fiasco cubano-soviético
"Soy Cuba" dá vida aos sonhos da revolução
Divulgação
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Cena de "Soy Cuba", co-produção cubano-soviética investigada no documentário "O Mamute Siberiano", dirigido por Vicente Ferraz |
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Um filme sobre um filme que
quase ninguém viu pode parecer algo de escasso interesse.
Mas o documentário "Soy Cuba
- O Mamute Siberiano" é o contrário disso. Vibrante, inventivo,
dá vida a uma obra que jazia esquecida e ilumina um momento
crucial da história e da cultura.
A co-produção cubano-soviética "Soy Cuba" (1964), de Mikhail
Kalatozov, foi o que se pode chamar de um esplêndido fracasso. O
documentário de Vicente Ferraz
investiga os dois termos da equação, expondo o que havia de esplêndido no filme e buscando entender seu fracasso.
Narrada em primeira pessoa
pelo diretor, essa busca é feita de
riquíssimo material de arquivo,
depoimentos atuais dos envolvidos e uma exegese tão cuidadosa
quanto possível do filme de Kalatozov. "Soy Cuba" é o centro, mas
o documentário se detém também no antes (o clima de euforia
da Revolução Cubana), no depois
(os efeitos da experiência em seus
participantes) e no entorno (as relações entre russos e cubanos).
Um super "making of", em suma,
tão fascinante quanto o original.
As impressionantes imagens de
arquivo dos primeiros anos da revolução servem para comunicar o
entusiasmo que movia os cubanos envolvidos na empreitada, e
que contagiava artistas do mundo
todo, entre eles os excelentes realizadores soviéticos enviados à
ilha de Fidel para a produção daquele que deveria ser um épico de
propaganda e acabou se tornando
um mamute branco. Por que
houve essa rejeição unânime
àquela que é hoje tida como obra-prima por gente como Coppola e
Scorsese? "Mamute Siberiano"
indica várias razões históricas,
mas mostra que o pecado essencial de "Soy Cuba" estava em sua
origem. Sua estranheza vem da
dificuldade de a equipe soviética,
com sua severa formação eslava,
compreender o temperamento
afro-caribenho dos cubanos.
A despeito da excelência cinematográfica de "Soy Cuba", da
exuberância de seus movimentos
de câmera e da beleza de sua composição plástica, há no filme uma
visão hierática da luta política que
tem mais a ver com o Potemkin
do que com a Bodeguita, mais
com os sisudos bolcheviques do
que com a malemolência cubana.
Na reconstituição da vida cubana pré-revolução, Kalatozov pretendia mostrar uma imagem de
decadência moral, mas acabou
criando as cenas mais alegres e
sensuais do filme, retratando a
Cuba de Fulgencio Batista como
um paraíso a beira-mar. É esse
trânsito de mão dupla entre o real
e a representação que "Mamute
Siberiano" dá a ver e a sentir.
Soy Cuba - O Mamute Siberiano
Direção: Vicente Ferraz
Produção: Brasil/Cuba, 2005
Onde: a partir de hoje nos cines Frei Caneca, HSBC e Reserva Cultural
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