São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

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CINEMA/CRÍTICA

Filme revive a história de um fiasco cubano-soviético

"Soy Cuba" dá vida aos sonhos da revolução

Divulgação
Cena de "Soy Cuba", co-produção cubano-soviética investigada no documentário "O Mamute Siberiano", dirigido por Vicente Ferraz


JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Um filme sobre um filme que quase ninguém viu pode parecer algo de escasso interesse. Mas o documentário "Soy Cuba - O Mamute Siberiano" é o contrário disso. Vibrante, inventivo, dá vida a uma obra que jazia esquecida e ilumina um momento crucial da história e da cultura.
A co-produção cubano-soviética "Soy Cuba" (1964), de Mikhail Kalatozov, foi o que se pode chamar de um esplêndido fracasso. O documentário de Vicente Ferraz investiga os dois termos da equação, expondo o que havia de esplêndido no filme e buscando entender seu fracasso.
Narrada em primeira pessoa pelo diretor, essa busca é feita de riquíssimo material de arquivo, depoimentos atuais dos envolvidos e uma exegese tão cuidadosa quanto possível do filme de Kalatozov. "Soy Cuba" é o centro, mas o documentário se detém também no antes (o clima de euforia da Revolução Cubana), no depois (os efeitos da experiência em seus participantes) e no entorno (as relações entre russos e cubanos). Um super "making of", em suma, tão fascinante quanto o original.
As impressionantes imagens de arquivo dos primeiros anos da revolução servem para comunicar o entusiasmo que movia os cubanos envolvidos na empreitada, e que contagiava artistas do mundo todo, entre eles os excelentes realizadores soviéticos enviados à ilha de Fidel para a produção daquele que deveria ser um épico de propaganda e acabou se tornando um mamute branco. Por que houve essa rejeição unânime àquela que é hoje tida como obra-prima por gente como Coppola e Scorsese? "Mamute Siberiano" indica várias razões históricas, mas mostra que o pecado essencial de "Soy Cuba" estava em sua origem. Sua estranheza vem da dificuldade de a equipe soviética, com sua severa formação eslava, compreender o temperamento afro-caribenho dos cubanos.
A despeito da excelência cinematográfica de "Soy Cuba", da exuberância de seus movimentos de câmera e da beleza de sua composição plástica, há no filme uma visão hierática da luta política que tem mais a ver com o Potemkin do que com a Bodeguita, mais com os sisudos bolcheviques do que com a malemolência cubana.
Na reconstituição da vida cubana pré-revolução, Kalatozov pretendia mostrar uma imagem de decadência moral, mas acabou criando as cenas mais alegres e sensuais do filme, retratando a Cuba de Fulgencio Batista como um paraíso a beira-mar. É esse trânsito de mão dupla entre o real e a representação que "Mamute Siberiano" dá a ver e a sentir.


Soy Cuba - O Mamute Siberiano
    
Direção: Vicente Ferraz
Produção: Brasil/Cuba, 2005
Onde: a partir de hoje nos cines Frei Caneca, HSBC e Reserva Cultural


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