São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2007

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Crítica/coletânea

Antiamericanismo dá o tom em entrevistas baseadas em Paris

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Entre Aspas", que reúne 27 entrevistas feitas por Fernando Eichenberg para revistas e jornais brasileiros, inclusive a Folha, pode ser um painel da cultura contemporânea, como observa Moacyr Scliar na apresentação. Mas não se trata de um painel qualquer. É um painel com viés antiamericano, o que talvez seja natural, dado que o jornalista, baseado em Paris, conversa sobretudo com artistas e intelectuais formados na tradição francesa.
Os pensadores Jean Baudrillard, Tzvetan Todorov e Paul Virilio dão o tom ao denunciar a política dos EUA. Jean Baudrillard, ao comentar a atitude dos americanos após o 11 de Setembro, afirma que os valores universais foram aniquilados.
"Valores como a democracia ou direitos humanos são instrumentalizados a serviço da própria superpotência, que age em contraponto ou mesmo em contradição com seus próprios valores."
Todorov, búlgaro por nascimento e francês por adoção, toca igualmente a tecla das ameaças provenientes do interior da democracia. Para ele, o perigo não são mais os inimigos externos, como o totalitarismo, mas a "doutrina do direito de ingerência que apareceu nestes últimos anos como uma nova conquista, como algo que a democracia teria obrigação de praticar". Para Virilio, a guerra contra a Iugoslávia alterou o conceito de guerra justa.
O cinema americano também não escapa das críticas. Jean-Luc Godard reclama de Hollywood. "Podemos ver maus filmes norte-americanos, mas não podemos ver um mau filme brasileiro", diz o cineasta, que não acompanhou o cinema brasileiro após Glauber Rocha.
O antiamericanismo, que permeia algumas entrevistas, não chega a ser um elemento dominante do livro. Este, se existe, é a diversidade. Há espaço até para encômios a aspectos da cultura dos EUA. Henri Salvador, compositor de "Dans Mon Île", que Caetano Veloso gravou nos anos 80, se derrama em elogios a Nat King Cole, "que cantava na respiração", e Frank Sinatra, "que sabia muito bem cantar falando".
O cantor, nascido na Guiana Francesa, conta a história, atribuída a Sérgio Mendes, de que teria sido inspirador da bossa nova. Tom Jobim teria ouvido "Dans Mon Île" e dito: "Isso que é preciso fazer, reduzir o tempo do samba e criar algo novo". O episódio -não mencionado em "Chega de Saudade", embora Ruy Castro dê crédito à influência da música- é uma mostra das pérolas encontradas em "Entre Aspas".


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).

ENTRE ASPAS    
Autor: Fernando Eichenberg
Editora: Globo
Quanto: R$ 40 (464 págs.)


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