São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

"Cocoricó" acerta o tom para crianças

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

"Cocoricó" é, hoje, um dos melhores programas produzidos para crianças na TV brasileira, provavelmente por causa da música de Hélio Ziskind. A suspeita vem em parte da observação (doméstica) de crianças assistindo ao programa e das reações entusiasmadas que se seguem a cada canção -e, em parte, na constatação de que uma trilha sonora própria representa um enorme diferencial.
Especialmente para crianças pequenas, que reagem muito com o corpo aos estímulos da televisão; a música quase que se sobrepõe à imagem como fator de atração. Quando são boas de fato, as canções são capazes de se constituir em uma narrativa às vezes complementar, às vezes independente -dentro da narrativa, com encanto todo particular.
Na história das narrativas audiovisuais para crianças, a música, de fato, ocupa um lugar central. O cinema e o teatro sempre souberam disso. Na TV, nem tanto -se muitos programas e até mesmo desenhos animados dão a devida importância à música, muitos o fazem de qualquer jeito ou com qualquer música.
"Cocoricó", claro, tem mais do que a trilha sonora. É um programa com bonecos, que gira em torno da turma do paiol do garoto Júlio à indiazinha Oriba, um trio de galinhas, uma vaca, um cavalo, dois papagaios, um porquinho. É quase que inacreditável que, para crianças em sua esmagadora maioria urbanas e que, muitas vezes, só conhecem esses animais de minifazendas, o universo rural ainda funcione como referência. Mas o fato é que funciona, se não pela familiaridade, pela fantasia.
Embora a movimentação dos bonecos seja excelente, ela não oferece as mesmas possibilidades e impossibilidades dos desenhos animados. As histórias, portanto, baseiam-se no carisma dos personagens, em situações de humor e em conversa -daí, por vezes, aparece o peso do tom pedagógico e, em alguns momentos, um ritmo meio lento.
Mas, se há um rancinho aqui ou ali, isso acaba ficando para trás pelo alto teor de simpatia e de capacidade de criar identificação com as crianças que têm os personagens.
Júlio, um menino comum, e suas amigas galinhas -modernas, espertas, brincalhonas, simpáticas- representam aspectos da infância muito distantes -talvez até diametralmente opostos- daqueles que costumam habitar programas de TV. Eles são cândidos, mas não bobos; ingênuos, mas não tontos; do bem, mas não certinhos.
E, além disso, há a música: divertida, de letras fáceis de lembrar, dançáveis e com identidade própria. Ziskind busca nas sonoridades adultas, do vasto repertório da música brasileira, o tom justo para as crianças -nem adocicado nem ligeiro nem simplificado demais. Em tempos de estridência produzida industrialmente para loiras e afins, nada como um programa que aposta em música com pé, cabeça e um tantinho de alma.


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