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CRÍTICA
"Cocoricó" acerta o tom para crianças
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
"Cocoricó" é, hoje, um
dos melhores programas
produzidos para crianças na TV
brasileira, provavelmente por
causa da música de Hélio Ziskind. A suspeita vem em parte da
observação (doméstica) de
crianças assistindo ao programa
e das reações entusiasmadas que
se seguem a cada canção -e, em
parte, na constatação de que uma
trilha sonora própria representa
um enorme diferencial.
Especialmente para crianças
pequenas, que reagem muito
com o corpo aos estímulos da televisão; a música quase que se sobrepõe à imagem como fator de
atração. Quando são boas de fato, as canções são capazes de se
constituir em uma narrativa às
vezes complementar, às vezes independente -dentro da narrativa, com encanto todo particular.
Na história das narrativas audiovisuais para crianças, a música, de fato, ocupa um lugar central. O cinema e o teatro sempre
souberam disso. Na TV, nem
tanto -se muitos programas e
até mesmo desenhos animados
dão a devida importância à música, muitos o fazem de qualquer
jeito ou com qualquer música.
"Cocoricó", claro, tem mais do
que a trilha sonora. É um programa com bonecos, que gira em
torno da turma do paiol do garoto Júlio à indiazinha Oriba, um
trio de galinhas, uma vaca, um
cavalo, dois papagaios, um porquinho. É quase que inacreditável que, para crianças em sua esmagadora maioria urbanas e
que, muitas vezes, só conhecem
esses animais de minifazendas, o
universo rural ainda funcione
como referência. Mas o fato é que
funciona, se não pela familiaridade, pela fantasia.
Embora a movimentação dos
bonecos seja excelente, ela não
oferece as mesmas possibilidades e impossibilidades dos desenhos animados. As histórias,
portanto, baseiam-se no carisma
dos personagens, em situações
de humor e em conversa -daí,
por vezes, aparece o peso do tom
pedagógico e, em alguns momentos, um ritmo meio lento.
Mas, se há um rancinho aqui
ou ali, isso acaba ficando para
trás pelo alto teor de simpatia e
de capacidade de criar identificação com as crianças que têm os
personagens.
Júlio, um menino comum, e
suas amigas galinhas -modernas, espertas, brincalhonas, simpáticas- representam aspectos
da infância muito distantes
-talvez até diametralmente
opostos- daqueles que costumam habitar programas de TV.
Eles são cândidos, mas não bobos; ingênuos, mas não tontos;
do bem, mas não certinhos.
E, além disso, há a música: divertida, de letras fáceis de lembrar, dançáveis e com identidade
própria. Ziskind busca nas sonoridades adultas, do vasto repertório da música brasileira, o tom
justo para as crianças -nem
adocicado nem ligeiro nem simplificado demais. Em tempos de
estridência produzida industrialmente para loiras e afins, nada
como um programa que aposta
em música com pé, cabeça e um
tantinho de alma.
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