São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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McEwan e Amis elogiam argentino

LÚCIA NAGIB
em Londres

O centenário de Jorge Luis Borges está sendo comemorado em grande estilo em Londres. Um dos eventos, ocorrido no início do mês, reuniu nada menos que os dois mais importantes escritores ingleses contemporâneos: Ian McEwan (prêmio Booker de 1998) e Martin Amis (autor do best seller "A Informação", entre outros).
Os dois escritores se encontraram no novo e imponente prédio da Biblioteca Britânica para discutir o autor argentino (aliás, Borges começou como bibliotecário), que os influenciou e que consideram um dos gênios do século.
Amis e McEwan fizeram comentários sobre a obra de Borges entremeados pela leitura de contos extraídos da nova versão em inglês dos textos ficcionais do escritor, recém-editados pela Penguin.
O que mais surpreendeu o auditório lotado não foi a beleza labiríntica dos fragmentos borgianos extraídos de contos célebres. Novidade foi a postura de discípulos reverentes adotada pelos autores.
Quando perguntaram a McEwan qual de seus escritos Borges mais teria apreciado, o inglês não hesitou em responder que o escritor argentino "certamente não perderia tempo lendo-os". Depois, ele confessou que escreveu um conto sob influência direta de Borges, "em parte por uma questão de prestígio, em parte como homenagem, em parte como plágio". E justificou: "Borges considerava o plágio uma forma elevada de esforço literário".
Amis também reconheceu a qualidade superior de Borges que, segundo disse, "não se interessa pelo mundo dos enredos e personagens ao qual estou preso". Amis também registrou que o que mais lhe impressionou ao reler Borges "foi ver como ele é brincalhão e espirituoso. É uma alegria observar como sua prosa tenta controlar uma imaginação exorbitante e agitada".
Amis e McEwan expressaram opiniões complementares sobre a relação entre a ficção e a realidade nos contos de Borges. "Escritores realistas", disse Amis, "tendem a sentir que as palavras ficam aquém da realidade, que são um simulacro patético da riqueza da vida. Ele não está interessado em tais questões, mas naquilo que a língua pode fazer a partir de si mesma".
McEwan, por sua vez, não separa ficção de realidade em Borges: "Ele foi um dos maiores leitores do mundo. Por trás de seus contos, há a idéia da literatura como uma realidade tão primordial quanto a que se pode ver ou tocar, há um sentido de que o imaginado é real. Há quase uma antiliteratura, mesmo quando Borges está celebrando livros. Ele parece querer dizer que tudo é mentira, a única verdade é o exame da mentira em si".
McEwan se recusa a determinar o lugar de Borges entre os autores latino-americanos. "Um crítico comentou, quando a fama de Borges se espalhou pela América e a Europa, que se tratava de uma literatura de um outro planeta. Realmente, não havia nada semelhante no mundo, nem mesmo Kafka."
Para Amis, porém, a literatura borgiana está fortemente ligada ao contexto sul-americano. "Há um veio de estranheza na literatura sul-americana que nunca vi em outros lugares. E não apenas nos escritores subsequentes a Borges. Machado de Assis, autor da virada do século, é extremamente moderno, ou mesmo pós-moderno."


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